O choro incontrolável de Sand Mayara Giacomelli de Mello na biblioteca do Senac Araraquara quando ali entrei. Os 200 alunos de cursos profissionalizantes a me ouvir, eu, filho de modesto ferroviário. E as 500 pessoas que estavam na abertura da Primeira Festa Literária de Araraquara, a Fli Sol, para ouvir Zé Celso e eu foram suficientes para acreditar que vamos enfrentar democraticamente os tempos difíceis do novo governo, diante do ataque permanente dos 'manés fascistas' (obrigado ministro Barroso) derrotados em uma eleição sem fraudes.
Há anos, minha cidade vinha tentando colocar de pé uma festa. Hoje elas se espalham por todo o Brasil e constituem um movimento de resistência cultural, principalmente depois do massacre promovido pelo não governo que se despede e esperneia. Foram dias e dias em que minha cidade ouviu escritores brancos, negros e indígenas e de toda diversidade e gênero. Senti falta da Liniker. Lindos os muitos que circularam das leituras ao projeto Fanzine, aos debates, palestras de literatura e infância nos Assentamentos, ideia original e pioneira, a presença do ianomâmi Davi Kopenawa.
Quando a Morada do Sol, como é chamada a cidade, colocou o projeto em pé pensei: 'demorou, mas valeu a pena'. O interessante é que Zé e eu crescemos juntos, nossas mães eram amigas. Quando iríamos imaginar uma festa da cidade para nós? E, claro, para a cidade, o Brasil a literatura, as artes. Zé e eu atravessamos o saguão de entrada em meio a gigantescos painéis pintados pelo artista plástico Lauro Monteiro, com ilustrações e frases de meus livros. Lauro fez o logo da festa, o pano de fundo dos debates, com nossos símbolos, o sol, as ferrovias, a matriz. Tudo começou quando Bernadete Passos, formada em artes cênicas, decidiu colocar a festa em pé, com o Instituto Colibri. A ela se juntaram o prefeito Edinho Silva, o Senac, mestres como Silvana Santoro, Luana Antunes, Reginaldo A. Teixeira, o escritor Fernando Passos, professores da Unesp, e dezenas de autores locais. O 'esquenta' começou em outubro e a festa foi até 6 de novembro, quando, levado por Fabia Maria dos Santos e Samantha Parelli fiz uma fala para 200 jovens no Senac - cada um recebeu um livro autografado. Eles jamais tinham visto um escritor. Se daquele grupo dois ou três se tornarem autores e alguns gostarem de ler, valeu. Cada fala é uma semente.
Nestes 60 anos de carreira lembrarei de muita coisa, mas acima de tudo das duas negras cearenses de 84 anos, uma década atrás que decidiram e aprenderam a ler, depois de uma palestra minha em Ocara, cidadezinha do sertão. E do choro emocionado da criadora do Projeto dos Fanzines, Sand Mayara, assim que entrei e a abracei.
"Foram dias em que minha cidade ouviu escritores brancos, negros, indígenas e de toda diversidade".