Às vésperas das rabanadas de Natal o Congresso nos garantiu a digestão esperada da crise pelo grande acordão. Nada mais, nada menos do que o deputado Romeu Queiroz, de alcance estrondoso no valerioduto - nesses seus R$ 350 mil - sai ileso de qualquer castigo. Tutta bona gente, que o parlamentar é o amigão de todos, gente boa e gente fina, e não passa pela cabeça impor-lhe o desagrado da expulsão do paraíso. Vá o ano em paz, e por aí mesmo assegure esse as boas festas dos companheiros vistos a caminho do cadafalso, ainda há um mês. Como baixar-se o cutelo sobre os pescoços menos óbvios já que a acusação é a mesma, só que muitas vezes em ganho de trocados e não da lauta soma, pela qual o Conselho de Ética pretendeu tornar irretorquível o bater do martelo condenatório.
O acordão aí está à prova de qualquer lanho. E abrindo o precedente, de que o voto da Câmara não segue, necessariamente, o que sugira o órgão técnico. Mais ainda, e nesse pano rápido, o Congresso reafirmou à nação o sentido congenitamente corporativo da sua grei, já que não há como, hoje, dissociar a República da cosanostra. A Casa do Povo sabe o preço que já pagou frente ao impressionante veto da opinião pública, reprovando a absolvição pela unanimidade das ''cartas dos leitores'', explodindo nos jornais. O que está em causa é assumir, de vez, o Congresso, a permanência dos abusos no jogo eleitoral que recomeça. O valerioduto jorrou sobre todos os partidos, e a continuar a férula de há dois meses, não haveria como poupá-la a Eduardo Azeredo ou a Roberto Brant, ou a outros, sob pena de criar-se um inconfortabilíssimo ''caixa 2 do bem''.
A decisão é clara e encontrou a anuência de todas as legendas da oposição, ao desimpedir Queiroz, e deixar tudo como dantes, no quartel de Abrantes. As últimas declarações dos auxiliares, à época do ex-presidente do PSDB, indicaram, inclusive, o montante da adubagem desses recursos ao senador mineiro, muito para além de qualquer pecadilho. Impossível ficar a dinheirama à distância de seus olhos, tal como as moedinhas passadas pelo prof. Luizinho aos seus peões de campanha.
Entramos no Ano Novo, que a memória é curta - e saravá - vamos, de logo, às campanhas de sempre. Mesmo porque, e pela primeira vez, tucanos e pefelistas vão, de fato, aos primeiros números da efetiva viabilidade de uma vitória, frente às antigas favas contadas da reeleição petista. A nova esperança desperta, tal como, pela primeira vez, verruma-se - por esses números ibopeanos - o apoio ao fortim de Lula representado pelo país de fundo, antes intocado pelos pudores do mensalão, e conservando a crença básica no presidente. Do ''Lula-lá'', e a continuar até para além do que aconteça do PT, ou de que se mantenha a identidade entre o partido e o governo.
Estes índices de fim de ano, entretanto, têm, também, mão e contramão. E apenas começa a avalanche das realizações do Planalto, desencravado o meio ganho da estabilidade pelo purgante da estabilidade de Palocci. A garantia da estabilidade econômico-financeira não tem receitas, nem fórmulas heterodoxas. Mas, sobretudo, o primeiro biênio começa a prosperar, para além do clássico refresco assistencial, como permitirá o aumento real do salário mínimo, garantido para maio.
O Lula que virá à reeleição é o que recomeça as caravanas e reencontra o seu país, por sobre o dos donos da opinião pública. Não há outra rota para o sucesso que a do contágio do olho a olho, que o tornou a liderança não só mais importante do mundo periférico. Ao contrário das Cassandras e Jeffersons, o PT não implodiu dentro dos escândalos, e soube voltar às suas origens, mesmo perdendo a inocência original. Uma experiência amadurecida pelas cicatrizes garantirá a tripulação do segundo mandato. Mas quem o ganha é a figura do presidente, que não terá à sua frente contendor óbvio, tantas as fissuras do bolo fermentado às pressas pelas primeiras sofreguidões ibopeanas. O Lula-lá é imperativo do Brasil que sabe o que não quer, e que Lula, o homem, é mais que nunca, o servidor do seu símbolo.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 28/12/2005