Não compreendo o assanhamento da imprensa a respeito de mudanças ministeriais. Acredito que os meios de comunicação caíram numa espécie de cilada do governo. Aborrecido com as críticas que diariamente lê na mídia, críticas que nos últimos tempos arrolam escândalos e casos de corrupção nos escalões superiores e sobretudo nas ruas, o governo decide sair por uma tangente de impacto, forçando pedidos de demissão, quando quer se livrar de dois ou três personagens que o incomodam.
Certa vez, um ministro soube pelo telefone que estava pedindo demissão, justo no instante que estava reunido com uma autoridade estrangeira, no desempenho normal de seu cargo. Uma coisa é alguém ficar sabendo que não é mais ministro por telefone: trata-se de um direito da Presidência da República. Outra coisa, bem humilhante por sinal, é ficar sabendo pelo telefone que tomou uma atitude que, na realidade, não tomou.
Num regime parlamentarista, tudo seria normal, pois é da sua própria essência a queda e recondução de um gabinete, provocadas, uma e outra, pelo núcleo do poder que é o parlamento, em tese, a encarnação legal da vontade popular. Mas num país onde não existem partidos de verdade, como o Brasil (a exceção são as pequenas frações ideológicas que se formam a partir de um ideário, como o PV, por exemplo), os partidos só têm de partido a ambição (considerada natural) de chegar ao poder.
Ideias e métodos não fazem parte desses clubes políticos. Tanto é verdade que, quando um integrante da comissão executiva de um partido é convidado para um cargo num governo dirigido por adversários, aceita o posto de sacrifício mas "em caráter particular". Ou seja, desvincula-se do seu partido de origem para ficar à vontade num ministério onde será obrigado a cumprir e fazer cumprir o programa de outro partido. Como sempre, a pretendida coalizão que dá ao governo sua base parlamentar, hoje conhecida como "base aliada", é armada em torno de cargos, vantagens, mordomias e benesses e nem assim, muitas vezes, o Poder Executivo numa dita democracia representativa consegue dar a volta por cima.
Bem, isso tudo é óbvio. De espantar é a imprensa fazer o jogo do poder dando moldura de escândalo, de fato transcendental e politicamente notável à dança de nomes nos escalões superiores do governo. Não chego ao ponto de considerar uma renúncia do ministério mera cortina de fumaça para distrair a opinião pública estarrecida com alguns casos de corrupção. Mas descreio de qualquer medida de impacto.
No início de cada governo, o presidente costuma declarar enfaticamente que ninguém deveria cobrar nada de seus ministros, e sim, dele próprio. Logo, não será por aí, com a simples mudança de ministros, que a situação ficará melhor.
Os anos passam e o país continua mergulhado em seus problemas estruturais e sintomáticos, desemprego, saúde, educação, segurança e, o que é pior, desesperança. Legitimada ao poder pelo voto popular que se manifestou nas catimbadas campanhas eleitorais, tudo parece desmoronar.
A culpa, afinal, não deve ser atribuída unicamente às eventuais forças detentoras do poder, mas à falta de uma reforma política que coloque nossa vida pública num patamar decente e moderno.
Em suma: nem adianta trocar um ministro por outro. A estrutura do poder democrático, incluindo principalmente os partidos, continua o mesmo apesar dos mensalões e embargos infringentes.
Folha de S. Paulo, 13/9/2013