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Em busca do tempo futuro

 

A moda é a preocupação com o aquecimento global; parece que a tragédia é inevitável


HÁ TEMPOS, em Milão, vi uma exposição sobre Leonardo Da Vinci que incluía grande parte de seus projetos mecânicos e científicos.


Acredito que quase todo mundo conhece esses desenhos ou deles já tomou conhecimento. Ele previu, com séculos de antecedência, algumas das conquistas da técnica e da indústria, como o avião, o helicóptero, o submarino, o automóvel e, até mesmo, a metralhadora e o carro de combate.

Verdade seja dita: o princípio dessas máquinas fabulosas criadas por Da Vinci é o mesmo das que atualmente dispomos. O que lhes falta é a força motora, ou seja, uma fonte de energia que fizesse suas geringonças voar, submergir, andar etc.


No tempo dele, a energia conhecida vinha do próprio homem, do cavalo e dos ventos. A própria água, que estava na cara, era pouco usada. Os mecanismos de transmissão, por serem mais complexos, impediam que a humanidade usasse a poderosa energia da gravidade hidráulica. E ninguém pensava em aproveitar o vapor de uma chaleira no fogo.


Mas o princípio científico ou técnico das invenções de Leonardo era, basicamente, o mesmo que a tecnologia contemporânea emprega para mover o mundo nem sempre admirável em que vivemos.


O seu helicóptero, por exemplo, tinha o rotor igualzinho ao de hoje. O problema é que era movido por seis homens numa plataforma anexa. Eles tinham de rodar, continuamente, várias manivelas com uma força espantosa para fazer girar a gigantesca hélice. Evidente: a invenção ficou no papel até que os motores a explosão e, mais tarde, os jatos resolvessem o problema.


Bem, aonde quero chegar? Para falar com honestidade, não quero chegar a lugar algum. Se possível, quero apenas partir, mesmo sabendo que a chegada não é para os meus dias.


O princípio socialista que vem lá de trás, da mais profunda antigüidade, aparentemente foi descartado do projeto humano por sua inviabilidade. Ou seja, por falta de uma fonte de energia social que até hoje não foi encontrada.


Dando um exemplo próximo e doméstico: muitos dos princípios contidos na nossa Constituição de 1988, que é uma obra-prima de utopia, um sonho impossível como o do homem de La Mancha, ficarão adormecidos por muito tempo, talvez alguns séculos. Há que esperar o desenvolvimento de uma fonte de energia que ainda não conhecemos.


Assim como no tempo de Da Vinci seria impossível imaginar a força do vapor ou do motor de explosão, ficamos sem saber qual será a fonte energética na escala social, econômica e política que fará funcionar as roldanas da complexa engrenagem que agora nos parece inviável ou absurda.


Princípios como "todo homem tem direito à saúde, à educação, e à cultura" fazem parte de todas as constituições do mundo -deve haver alguns países que nem possuem uma constituição formal.


Leonardo foi considerado um charlatão pelos entendidos de sua época. Seria mais fácil um burro voar do que o homem. Quatro séculos depois dele, o homem voou. Os burros, sim, com a objetividade do pragmatismo, continuam onde sempre estiveram.


Algumas fontes de energia já existiam desde que o mundo é mundo: a água, o vento, o petróleo. A própria energia nuclear estava latente, à espera de que algum iluminado desintegrasse o átomo.


No plano social, teoricamente, está tudo à disposição das sociedades, volta e meia aparece um iluminado que propõe isso ou aquilo, mas faltam elementos práticos e vontade política para transformar os anseios da humanidade em realidade.


A moda atual é a preocupação com o aquecimento global do planeta. Parece que a tragédia é inevitável, a menos que um outro iluminado descubra como deter o aumento da temperatura e a elevação da massa oceânica.


Trata-se de um problema técnico, científico, que pode ser resolvido com uma solução que está à nossa disposição, como a água, o vento e o petróleo estavam à disposição do homem antes mesmo de haver homem na face da Terra.Relatório patrocinado pelo ONU, na semana passada, garante que em menos de 50 anos, de 1 a 3 bilhões de pessoas ficarão sem água e comida.Mais fácil fazer o homem voar, não com os desenhos de Da Vinci, mas com a descoberta de uma energia social que talvez esteja na nossa cara.


Folha de S. Paulo (SP) 13/4/2007