É louvável a paciência do povo brasileiro. Se nos restringirmos à educação, poderemos nos divertir com uma série de reformas, de 1961 para cá, todas criticadas logo após o início da sua implementação. Não poderia ter sido diferente com a lei de 1996. Quando ela foi promulgada, em dezembro, logo começaram as críticas e hoje seria um desafogo se fosse substituída, em virtude das inovações objeto de medidas provisórias e outros absurdos semelhantes.
Vejamos o caso do ensino superior. Sempre é o preferido das discussões públicas e dos orçamentos do Ministério da Educação. Hoje, dispõe de mais de 60% dos recursos oficiais, mantendo uma qualidade precária.
Aqui entra um aspecto a ser ressaltado: o ensino médio, tradicionalmente órfão, tem em seus quadros somente um terço dos jovens que nele deveriam estar. Quando esses índices, por uma questão até de inteligência, forem corrigidos, o que ocorrerá com o ensino superior, hoje com apenas 3,4 milhões de estudantes?
Oferecemos um ensino fundamental público notoriamente precário. O motivo principal do fracasso escolar pode ser o preparo deficiente dos mestres, mas os seus ridículos salários também não poderiam ser uma causa importante?
As tentativas de mudança são múltiplas. O MEC criou os centros universitários. Depois, parece que se arrependeu e seus dirigentes, em tempos variados, passaram a condenar os excessos permitidos. Tornou-se trivial a pergunta: “Como melhorar a educação superior sem obrigar as entidades licenciadas a promover programas de pesquisa?” Não se fez uma avaliação prévia do que isso representaria para o sistema? Conseqüência do alegre período do governo FH, com sua exemplar demagogia.
A desigualdade começa dentro do próprio MEC, quando escolhe, num processo demorado e inexplicável, os novos membros do Conselho Nacional de Educação. Prevalece claramente o poder político, não se liga muito para as indicações das entidades convidadas a se pronunciar - e São Paulo mais uma vez dá as cartas. Para se ter idéia do absurdo, na Câmara de Educação Superior de 12 membros, nada menos de 6 são parte do que se convencionou chamar de “paulistério”. Onde fica o respeito à pluralidade nacional?
Sempre atentos, voltamo-nos para o Universidade para Todos. O governo primeiro pensou na sua implantação via medida provisória, instrumento tão criticado, antes da eleição, pelo presidente Lula. Houve reação, o governo desistiu da MP. Discussão em torno do tema? Todos devem dar palpite, até quem não entende nada do assunto, por não tê-lo vivenciado.
Seminário em São Paulo, que contou com o maior tributarista brasileiro, o advogado Ives Gandra da Silva Martins, com o tema “A reforma universitária e o desenvolvimento brasileiro”, aplaudiu demoradamente a tese do professor da Universidade Mackenzie: troca de vagas por isenção fiscal é inconstitucional.
Diz Ives, com emoção nas palavras, que “a solução deveria ser revista antes de o programa ser lançado para não correr o risco de ser derrubada na esfera judicial”. Não há renúncia daquilo que não se tem, explica o jurista, comentando uma decisão do STF que já assegura isenções fiscais às faculdades sem fins lucrativos.
Vale a pena estudar um pouco mais a lógica do expositor: “No caso das filantrópicas, o governo não pode impor que 20% da sua receita sejam convertidos exclusivamente em bolsas para alunos carentes porque a lei das filantrópicas permite que outros gastos (em projetos sociais, por exemplo) entrem no cálculo desses 20%.”
Como se pode observar, machadianamente, a confusão é geral. Reforma, nesse clima, dá medo. Não se sabe o que se quer, com tiros para todo lado. Enquanto isso, o ingênuo espectador do processo pergunta: “Será que implantando o ensino noturno, na rede oficial, isso tudo não se resolveria?”
O Globo (Rio de Janeiro - RJ) 18/05/2004