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Ecos do "Volta, Lula"

 

Foi no conforto de uma suíte presidencial em Doha, no St Regis Hotel, em frente ao Golfo Pérsico, uma cortesia do governo do Catar ao custo de R$ 30 mil a diária, que a presidente Dilma Rousseff digeriu as secas linhas da carta de demissão de Marta Suplicy do ministério da Cultura.

Surpreendida, segundo relatos de membros de sua comitiva, com a indelicadeza da ex-ministra, que deixou que viajasse para consumar seu ato, a presidente deve ter juntado na mesma hora o gesto inesperado à crítica do dia anterior de um quase ex-ministro, Gilberto Carvalho, que se queixou da falta de diálogo do governo com os movimentos sociais.

Não por acaso os dois, Marta e Gilberto, foram protagonistas do movimento “Volta, Lula” que em meio à campanha presidencial tentou tirar Dilma do páreo para colocar em seu lugar o ex-presidente, temendo o que quase aconteceu, uma derrota para a oposição.

Os dois falam por Lula, mesmo que não tenham sido autorizados expressamente por ele, que quer tocar violino, que é o que sabe fazer: uma guinada à direita na economia, com a nomeação de Henrique Meirelles para a Fazenda, e maior atuação à esquerda com os movimentos sociais.
 
Marta deseja na carta o que diz que “o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera”, isto é, escolher “uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país”. Parece até que essa parte foi escrita pelo candidato de oposição Aécio Neves.

O fato é que a presidente reeleita Dilma Rousseff nem bem encerrou seu primeiro mandato e se vê cercada de pressões políticas, não apenas da oposição, mas também de sua base de sustentação no Congresso, aí incluído o próprio PT.
 
Nunca se viu no país nos últimos anos de predomínio petista tamanha gana oposicionista, no Congresso e nas ruas. A acirrada campanha eleitoral não teve trégua, e nada indica que terá. Mas não só de crises com a oposição vêm as aflições da presidente que, como bem definiu o ex-ministro Rubem Ricupero, mais parece uma aluna que passou de ano (mandato) raspando, cheia de dependências a cumprir.

Também a base aliada parece disposta a vender caro, figurativamente em alguns casos, na literalidade do termo em outros, o apoio a um segundo mandato que pode levar à derrota em 2018. O PMDB, dividido desde a eleição, quer manter o comando das duas Casas do Congresso, na Câmara com um adversário explícito do Palácio do Planalto, o deputado Eduardo Cunha.

Já o PT se entrega aos radicais que querem responder ao quase empate nas urnas com uma guinada à esquerda, para emparedar o Congresso com uma Constituinte exclusiva, e a imprensa livre com o controle social da midia.

É interessante como os petistas são capazes de apresentar os que não votaram neles como “representantes do atraso” e “verdadeiros fantasmas do passado”, sem admitir que dos que votaram, 48,5% escolheram o candidato que representava a oposição, ao mesmo tempo em que outros 28% optaram por não votar, o que garantiu ao governo uma vitória eleitoral, mas não política.

Não é à toa, portanto, que a dita base aliada do governo está em pedaços. Pressentiam antes da eleição, e constataram na abertura das urnas, que o modelo petista de governar está fazendo água, com problemas agravados pela centralização excessiva e falta de capacidade de negociação da presidente Dilma.

Tanto Lula e os petistas que pressionam Dilma para uma mudança de equipe econômica quanto os da base aliada que também querem mudanças, querem mesmo é viabilizar um novo governo, pois sabem que mais do mesmo só levará à derrota eleitoral, que se avizinha a cada quatro anos.

Há, subjacente a esse tremor de terra em Brasília, o tsunami que se forma com o processo do petrolão, chegando à sua fase derradeira, que vai mudar a face atual da política brasileira.

O Globo, 12/11/2014