As manifestações nas ruas de Lisboa, ocorridas semana passada, ilustram terrivelmente o peso das medidas econômicas impostas pelo governo à sociedade civil. E com uma recessão absurda, imoral, que deve atingir o patamar de 2,3 % ao longo do ano. Apesar da indignação, nenhuma surpresa. Os tecnocratas são sempre os mesmos, e não perdem os vícios de linguagem, em todos os quadrantes da Terra. O mesmo dialeto, surdo e primário, a mesma autossuficiência polar, que impede qualquer tipo de aproximação, considerada incestuosa, entre a ética e a economia. Como se esta fosse um mero capítulo de matemática aplicada, tornando-se desnecessária a análise da consistência moral de um triângulo ou da ética dos números primos.
As mesmas teses, idênticas, repetidas ao limite do suportável, dos que defendem a economia como ciência autônoma, singular, nutrida pela miragem do imperialismo numérico, colonizando e dissolvendo o tecido social para o cumprimento de metas insensíveis, decálogo de estreita observância dos sacerdotes ortodoxos. É preciso rever a formação nas faculdades da área, para que a ênfase seja cada vez menos performática – em termos de simples operadores ou gerentes de sistema – e cada vez mais reflexiva, segundo uma prática filosófica integrada ao programa de estudos, para além de um feixe de disciplinas, que parecem quase optativas, sem conteúdo de valor, como se desligadas fossem do eixo central do curso.
Não podemos formar teólogos do mercado, aves de voo curto, de asas tímidas, pequenas, que não sabem onde pousar, nas páginas de Karl Marx ou de Stuart Mill. O estudante de ciências econômicas lembra o burguês fidalgo, de Molière, ao perceber que, de modo involuntário ou inconsciente, nunca deixou de tocar em questões éticas ou políticas, mesmo quando pareciam bem isoladas, atrás de um cordão sanitário, impedidas de entrar em sua bolha falsamente asséptica e abstrata.
A riqueza do debate está na compreensão da economia como saber inacabado, em construção, cheio de possibilidades, como os que hoje defendem, entre outras vertentes, uma economia justa, uma bioeconomia, ou, uma economia do decrescimento.
Ainda que marcada por uma série de questões polêmicas, a crítica da razão econômica, defendida por Serge Latouche, é das mais interessantes, frontalmente contrária ao dogma do crescimento, irresponsável, para o qual as cidades não passam de supermercados, e a Terra, uma praça de livre comércio, nunca um organismo vivo, ameaçado pela apropriação corsária e kamikaze do meio-ambiente. Como disse Georgescu-Roegen “quem acredita que um crescimento infinito é compatível com um mundo finito, ou é louco ou é economista.”
É fácil perceber que a economia já não é monopólio exclusivo dos economistas. Porque estamos todos implicados no mesmo processo de sobrevivência, paz e justiça.