A comparação é inevitável. Na Colômbia, além da comovente homenagem que milhares de torcedores prestaram às vítimas do acidente aéreo, o clube Atlético Nacional de Medellín, em gesto raro, senão inédito, solicitou oficialmente que se desse o título de campeão da Copa Sul-Americana à Chapecoense. A generosa proposta, aprovada por unanimidade pelos jogadores, pelos membros da comissão técnica e pela diretoria, emocionou até o ministro das Relações Exteriores, José Serra, que chorou ao agradecer em discurso a solidariedade dos colombianos.
No Brasil, entretanto, a Câmara dos Deputados aproveitou a comoção geral causada pela tragédia para uma manobra política sórdida, em que aproveitou um pacote anticorrupção para desfigurá-lo com o contrabando de emendas que o transformaram numa peça cuja intenção principal seria punir policiais, juízes e membros do Ministério Público, isto é, os que combatem a corrupção. E tudo com a cumplicidade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na calada da noite, que é hora propícia para uma boa trapaça. Parece que houve quem sentisse saudade de Eduardo Cunha.
Mutilado, o projeto chegou ao Senado, onde foi defendido por uma combinação inusitada de Renan, Gilmar Mendes e Lindbergh Farias, três estilos diferentes, mas com um alvo comum, o juiz Sérgio Moro, ali presente. Sereno diante dos ataques, sobretudo os do irascível senador petista, ele ironizou, perguntando se a intenção não era puni-lo. Quanto a Renan e Mendes, para quem estranhou a afinidade de posições, Merval Pereira deu a explicação. O juiz foi um dos três únicos do STF (os outros foram Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski) a “livrar o presidente do Senado de todos os crimes de que era acusado: peculato, falsidade ideológica, e uso de documento falso”. Renan virou réu por “apenas” receber dinheiro de uma construtora para pagar pensão de uma filha que teve com uma ex-namorada, num dos 12 processos a que responde ali, oito dos quais na Lava-Jato.
Por um acaso, enquanto se tentava no Senado incriminar Moro como tendo cometido abuso de autoridade, chegava aos jornais um anúncio de duas páginas com o seguinte título: “Desculpe, a Odebrecht errou”. Era a própria empreiteira reconhecendo o seu envolvimento em esquemas de corrupção, como o da Petrobras. Ela se comprometia também a pagar multa de R$ 6,8 bilhões e a citar cerca de 200 políticos (que, na verdade, é o que tira o sono de Brasília).
Será que isso seria possível se não existisse a Operação Lava-Jato?