Nas últimas semanas ressurgiu a controvérsia sobre o fumo. Em São Paulo, foi desencadeada por um projeto de lei que o governador José Serra (ministro da Saúde no governo FHC) encaminhou à Assembléia Legislativa do Estado, propondo a proibição do cigarro em qualquer ambiente coletivo fechado da cidade. O projeto, que tem o apoio do presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, o gaúcho Osmar Terra, foi rotulado como um ato de “fúria contra os fumantes” por ninguém menos que um médico, o doutor Ithamar Stocchero, ex-presidente da regional de São Paulo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Fumante contumaz, o dr. Stocchero chegou a integrar uma transitória associação chamada Libertas, fundada em 1999 para defender os direitos dos fumantes. Os argumentos do dr. Stocchero são estranhos, para dizer o mínimo. Segundo a Folha, ele teria declarado a respeito das medidas antifumo: “Isso tudo eles fazem para você ter qualidade de vida aos 90, cem anos. E agora, com tanta saúde, a população mundial vai explodir”. Médico protestando contra a existência de “tanta saúde”? Não é de admirar que a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica tenha divulgado nota dizendo que não endossa tais declarações. Depois disso foi o próprio presidente Lula quem deu uma entrevista acerca do projeto de lei de Serra e de projeto similar, do Ministério da Saúde, propondo a extinção dos fumódromos em recintos fechados. Na ocasião, o presidente, fumando uma cigarrilha (porque “na minha sala sou eu que mando”), disse que defendia o uso do fumo “em qualquer lugar”.
Estas declarações, partindo de pessoas inteligentes, e ocupando posições de responsabilidade, são tão insólitas quanto inquietantes. Reações de caráter obviamente emocional, assinalam um novo fenômeno que pode estar ocorrendo e que já se manifesta em vários lugares do mundo: na Alemanha centenas de “clubes de fumantes” estão sendo organizados.
O que acontece? De um lado, acumulam-se as evidências sobre os malefícios do fumo, fator agravante de 75% das principais causas de morte e responsável por 10% dos óbitos; de outro lado, os fumantes sentem-se duplamente pressionados, de um lado, por sua própria dependência química e psicológica, de outro, pelas medidas adotadas contra o fumo. A reação manifesta-se naquilo que os psicólogos conhecem como “dissonância cognitiva”, a negação emocional dos fatos.
Os fumantes precisam ser ajudados. Outra matéria da Folha mostra que, em São Paulo, apenas 10% dos municípios dão atendimento a fumantes que querem deixar o hábito. Esse atendimento precisa ser ampliado. Ou seja, o poder público pode e deve dizer aos fumantes: “Parem de fumar”. Mas precisa completar essa orientação: “E, para pararem de fumar, vocês devem adotar tais e tais medidas.”
Os fumantes têm direito, sim – direito a recuperar sua saúde, a não depender de um hábito tão danoso. E têm direito também à ajuda pública para isso.
Zero Hora (RS) 15/09/2008