RIO DE JANEIRO - É hoje só, amanhã não tem mais. No Rio antigo, em toda terça-feira de Carnaval, um sujeito que se chamava Novidades passava pelas ruas gritando este aviso de duplo apelo: que hoje se fizesse tudo e amanhã nada mais se fizesse. Era a forma vernácula do poeta Horácio, "carpe diem quam minimum crédula postero". Aproveite o dia de hoje e crê o mínimo no dia seguinte.
Hoje não é mais assim. A festa continua, invade os meses seguintes. Pode-se contar a idade de cada um pelo número de carnavais que atravessou. E, quando queremos insinuar alguma coisa de abominável em determinada pessoa, com autoridade afirmamos: eu te conheço de outros carnavais!
A terça-feira que os franceses chamam de "gorda" deixava, mesmo naqueles que não faziam Carnaval, uma vaga, inexplicável melancolia. O sujeito não se fantasiara, não saíra em nenhum bloco, não vira nenhum desfile, não cantara uma só música do ano (isso no tempo em que cada Carnaval tinha músicas próprias). Mesmo assim considerava-se roubado em alguma coisa, não recebera o esguicho de um lança-perfume, não trocara com uma desconhecida um olhar de desejo, não roçara nenhuma nudez suada no aperto geral da multidão.
Mesmo assim era costume ficar triste. Olhava-se a mata mais próxima, manchada com as flores roxas das quaresmeiras que misteriosamente haviam brotado naquela última noite.
Era um milagre vegetal e inofensivo. Na véspera, não havia uma única mancha roxa no verde das matas. No espaço de uma noite, elas estouravam, inéditas, silenciosas. Duravam mais do que o Carnaval. Para mim, era um encontro bom, não me fazia melhor. Fazia-me conformado, dando pretexto para esperar um outro ano.
Folha de S. Paulo (SP) 5/2/2008