Celebramos, no último dia 14, os trinta anos do falecimento de Alceu Amoroso Lima. Dias antes, seu nome foi a única referência explícita do Papa Francisco, no Rio, a um leigo brasileiro. Só cresce o recado do fundador da Ação Católica Brasileira, e do protótipo da tradição do Vaticano II, respondendo aos "sinais dos tempos", no confronto com o antimodernismo dos tempos de Pio IX e Pio X. Dentro dessa militância do convertido por Jackson de Figueiredo, Alceu contrasta com Sobral Pinto e Gustavo Coração. Foi sua a aposta na Igreja da mudança, frente à neutralidade do primeiro e ao fundamentalismo do segundo, a ponto, inclusive, de se poder falar em conflito com a própria docência da Igreja entre nós e na crítica de Dom Eugênio Salles.
Como aprofundar a marca de Dr. Alceu nesta trintena? Além de completar-se a publicação de todas as suas obras, é o intuito do Centro que leva o seu nome avançar na publicação de mais de dez mil cartas, com o depoimento sobre o mundo religioso, literário e político, no meio século passado. Aí está a centena de missivas com Carlos Drummond de Andrade, a serem publicadas pelo Professor Leandro Garcia Rodrigues. O grande desafio deste enorme epistolado está na dificuldade da grafia, praticamente ilegível, e que nos chegou até hoje, decifrada por sua filha, Madre Maria Teresa, abadessa em São Paulo, falecida há dois anos.
Na multiplicidade de legados do Dr. Alceu, ganha relevo toda a série de artigos do Jornal do Brasil, na resistência, desde o primeiro dia, ao governo militar, e no repúdio intrínseco
à ditadura, mesmo que, em 64, começasse com a cobertura religiosa das "Marchas", sobretudo paulistas, "da Família com Deus, e pela Liberdade". Alceu partilhava, aí, a grande lição de Maritain e de Bernanos, contra o franquismo, quando a justificação do anticomunismo levaria à defesa da fé, contra o governo republicano de Madrid. Da mesma forma, esse recado político de nosso pensador lhe permitira fugir à tentação do integralismo, tão sedutor, dos anos 30, da reivindicação, por Plínio Salgado, de uma "nova era espiritualista para a humanidade", depois dos tempos do materialismo dos meados do século passado.
O confronto de Alceu frente aos governos militares saía dos meios confessionais, ganhando um reconhecimento ímpar, como a principal voz de torna ao Estado de Direito e ao regime das liberdades. Nessas correspondências profundas, do que seja a presença da Igreja na história, é, nestes dias, a primeira menção explícita que um Pontífice traz à defesa da democracia, pela palavra de Francisco, no Rio. E o Papa nos adverte, também, contra a injustiça social advinda das concentrações de renda dos regimes capitalistas. Alceu pôde, premonitoriamente, defender a presença intrínseca do Estado na nossa economia e comprometer-se com o recado do desenvolvimento. Primeiro membro brasileiro da Comissão Pontifícia Justiça e Paz, sempre ao lado de Paulo VI, e a cooperar, na sua mensagem sobre Direitos Humanos, nas Nações Unidas, após uma primeira interrogação sobre o que se poderia esperar do Papa ancião João XXIII, Alceu foi ao entusiasmo radical pelo Pontífice, em toda a esperança do Vaticano II, que vem agora à voz e à força de Francisco.
Jornal do Commercio (RJ), 23/8/2013