Mestre Villa-Lobos estava em seu apartamento na Esplanada do Castelo e eu fui levar-lhe Leonide Massine, coreógrafo de “Quinta Sinfonia”, “Gaté Parisienne”, “O chapéu de Três Bicos” e outros clássicos da era de ouro do balé mundial. Ele fora contratado por Murilo Miranda para temporada no Teatro Municipal do Rio, em 1955, e desejava uma partitura brasileira para montar um espetáculo que seria mais tarde incorporado ao repertório internacional. Entendidos do ramo haviam-lhe sugerido algumas produções de Francisco Mignone e Cláudio Santoro, mas Villa-Lobos era o preferido.
Feitas as apresentações, mestre Villa disse que tinha exatamente o que Massine procurava. Foi ao piano e tocou um trecho, acho que de uma sinfonia em que ele estava trabalhando. Massine ouvia calado, cabeça baixa.
– Gostou?
Massine hesitou e acabou admitindo: não era aquilo que queria. Mestre Villa tocou uma sucessão de trechos de sua autoria, fugas, sonatas, choros, batuque, adágios e codas. Massine abanava a cabeça. Mestre Villa improvisou. Massine não gostou e improvisou retirada. Mestre Villa perdeu a paciência:
– Afinal, o que quer o senhor?
Massine então abriu a boca. Certa vez em Paris, ouvira mestre Villa tocar uma música muito bonita, gostaria dela, mas não lhe sabia o nome, só guardara uma frase musical.
– Então cante!
Massine alegou voz desafinada, não tinha jeito, mestre Villa encorajou:
– Eu não reparo.
Massine tomou coragem, arranhou um pigarro para limpar a garganta e cantarolou: “Lala lala lalalalala”. Mestre Villa deu um pulo e fechou o piano.
Massine, estupefato, olhou para mim e eu olhei para a porta. Na rua pude explicar: Massine solfejara o “nesta rua, nesta rua tem um bosque”.
Jornal do Commercio (RJ), 30/7/2009