O fluxo de 3 milhões de pessoas na Parada Gay de São Paulo, no último domingo, marcou um momento de nítida maturidade na manifestação de uma consciência coletiva. Não se trata mais, apenas, do protesto, de discriminados sociais, no espetáculo que já se vê inclusive impregnado da nossa velha civilização da festa ou da carnavalização brasileira. Entra em causa, sim, uma consonância internacional com esta nova densidade social do nosso tempo. E a afirmação vai, claramente, a esta noção
da cidadania, a marcar o novo século por sobre as afirmações nacionais ou regionais de uma identidade, nascida do imediato contexto coletivo da pessoa.
O grito pela diferença é da exclamação generalizada, de foro e recado indistinto. Essa consciência emergente já se ligava diretamente ao exercício do voto, e o engrossamento dos caudais eleitorais de outubro próximo. Claro que, ao mesmo tempo, o oportunismo do congraçamento gigante tinha a convocação, até, de movimentos religiosos, no trio elétrico de uma "Igreja de todos", com dançarinos liberados na plataforma das mais contundentes acrobacias. O que pareceu cravado no espetáculo de 6 de junho foi, muito mais, o buscar-se a figuração ampla desta afirmação popular, onde a segurança da festa, muito mais do que a provocação, ou a vindita, diz de um consenso já presumido, e a não deixar dúvidas quanto às reformas legislativas referentes às uniões familiares homo, e ao reconhecimento de suas heranças.
A afirmação parece também, de vez, superar uma afirmação partidária no que se reconheceria como um fato consumado, a não mais se transformar em slogan eleitoral. O não comparecimento, aliás, de ambos os candidatos dominantes só fez ressaltar o castigo político de Marina, ao opor-se ao casamento gay e recuar ainda à sua diminuta intenção devoto.
Por certo todo o aparato de lantejoulas, penas, saltos e oropéis espalha¬vam-se nas calçadas. Mas, aí, era o exibicionismo intrínseco da nossa cultura que repetia, em São Paulo, a elaboração dos carnavalescos cariocas, dos ditos "solitários", na pesada cornucópia de seus adereços. E o chamariz fotográfico de melindrosas, ad hoc, ecoa também o mesmo garbo do carnaval de Veneza, marcado pelo stacato das fotografias e a monumentalização pedida e esperada por todo protagonista frente ao flash da fugacíssima imortalização.
Toma-se já anódina a afirmação policial de não haver qualquer perturbação da ordem, tiroteio, pancadaria, ou agressão, no evento de oito horas de dança e parada. Marta Suplicy, nos carros de abertura do préstito, por outro lado, é a exceção que confirma a regra emergente. Mais do que para uma coleta de votos, o político vai à festa em anonimato conformado, tal como não há mais candidatos feministas ou da negritude.
Jornal do Commercio (RJ), 11/6/2010