Grave incidente para perturbar a nossa tranquilidade, provocado pelo próprio senhor arcebispo. Veio enfurecido do palácio, para desabafar aos gritos com os nossos superiores, que nada tinham a ver com a história.
Padre João Carlos, que fora nosso professor de latim no seminário menor, e mais tarde feito coadjutor de uma das melhores paróquias da cidade, largou a batina. Não sem antes escrever uma carta desaforada e injusta para seu superior.
Parece que a carta, mais que a apostasia em si, doeu em sua excelência. Daí seus berros. Enfurecido pelos próprios gritos, derivou a exasperação para o resto de todo o clero. Foi então um revolver de roupa suja desagradável para todos, padres e alunos.
Em outro ponto o senhor arcebispo, além de inoportuno, foi grosseiro. Não resta dúvida de que certa parte do clero, trazida pelo falecido cardeal, goza hoje de alguns privilégios. Mas por acaso sua excelência não trouxe uma cambada de vigaristas que desde já usufruem de vida palaciana, sem nada quererem com o trabalho? Aqui mesmo no seminário temos exemplos dessas proteções.
Teve um mérito isso tudo: abriu-me os olhos.
Descubro que jamais me submeterei aos métodos do senhor arcebispo. Jamais o terei como chefe e pastor. Não posso me ordenar padre sob o jugo de semelhante homem. Não lhe faltam qualidades. Um ardor sacerdotal a toda prova, um senso muito elevado de suas responsabilidades e de seus deveres. Notável, quase sobre-humana, sua capacidade de trabalho.
Mas é um homem falho de certa aura humana, de certa humildade pessoal. Nela coabitam dois profissionais: o sacerdote de Deus e o militar fracassado. E é uma lástima quando o homem de Deus é dominado pelo sargento que adora o poder e odeia a humanidade.
Folha de S. Paulo (RJ), 14/01/2014