Joaquim Pinto Montenegro, meu tio e um dos homens que mais admirei, morava num casarão em Friburgo, relíquia da qual se dizia ter sido usada por dom Pedro 2º para encontros com uma de suas amantes. Os entendidos garantiam que era um dos patrimônios mais significativos do estilo colonial. Na manhã daquele dia, deitado na rede histórica que havia comprado no Ceará, viu uma nuvem de poeira levantada por uma van que parara em seu portão.
Era a equipe de uma TV que procurava uma locação "de época" e a casa não podia ser melhor para a gravação das cenas escolhidas. O produtor explicou a pretensão, prometeu dar crédito em todos os capítulos da novela.
No dia seguinte veio diretor de arte que cismou com a cor verde das janelas e portas, mandou que fossem pintadas de azul. Dois dias depois, veio o cenarista que cismou com as janelas azuis e mandou pintá-las de marrom. Depois veio um diretor que mandou derrubar uma parede e um eletricista que mudou toda a fiação elétrica e instalou lampiões de querosene no salão principal.
Veio também o autor da novela, que não gostou do assoalho e mudou para tábuas corridas. Finalmente veio o pessoal do marketing, que trocou todos os móveis. Terminadas as gravações, Joaquim Pinto Montenegro gastou um dinheirão para reconstruir tudo que fora estragado. Só então deitou-se na rede, quando viu a nuvem de poeira de uma van entrando em seus domínios.
Alarmado, Montenegro foi ao seu quarto e apanhou um velho mosquetão, disposto a reagir. Era também um mosquetão histórico, "da época", que fora usado pelo conde d' Eu na Guerra do Paraguai. Da van saiu o Luís Carlos Barreto, que tentou explicar tudo.
O famoso produtor garantiu que o documentário que estava fazendo já fora inscrito no festival de Veneza e convidou Montenegro para um passeio de gôndola no Grande Canal.
Folha de S. Paulo (RJ), 11/3/2014