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Direitos humanos e mundo mediático

 

Abre-se em meados de fevereiro, em Oslo, a reunião da ONU ligada à Aliança das Civilizações na discussão de tema fundamental ao mundo do terrorismo e da "guerra de religiões". Tanto essas cada vez mais evidenciam a negação da alteridade coletiva, tanto afloram a defesa de direitos, via de regra violados pelo mundo mediático, no seu império sobre a opinião pública e sua implacável mobilização.


Até onde o universo esfacelado por esse conflito passa hoje, de fato, às visões sumárias dos movimentos sociais, ou dos eleitores, levados à facilidade das polarizações sem retorno? E até onde, no confronto entre o terrorista e o cruzado bushiano, o arsenal das idéias feitas passou aos fatos consumados do desconhecimento das crenças do outro, ao preconceito e ao repúdio? O que importa é manter-se a variedade de informação trazida à sociedade civil, seu debate e seu esclarecimento.


A Conferência de Oslo debruça-se sobre essa tirania do inconsciente coletivo, via de regra imperceptível, em que muitas vezes a unilateralidade dos senhores mediáticos comanda a mobilização ou a inércia de seus leitores. A Constituição do Dr. Ulysses foi pioneira em garantir o expresso direito da imagem, na capacidade que tenham pessoas, partidos ou movimentos, de corrigirem a visão tendenciosa, objeto das manchetes e dos estardalhaços jornalísticos e dos programas de televisão. Consagra a nossa Carta esse direito de resposta de todo cidadão, de forçar o corretivo do informe, obrigando a mídia a realizá-lo com a necessária presteza e destaque condizente com o agravo à dita imagem.


Não é necessário salientar a demora desta prática, quando de fato cumprida, ou desaparece em minúsculas, nas páginas mortas dos jornais, em pseudo-satisfação à norma constitucional. Carecemos ainda da disposição legal, que reclama a OAB, de definir a dita adequação entre a lesão de imagem e seu corretivo. Mas, sobretudo, atentar à dificuldade objetiva, na agressão pela TV. Falta, em todo o mundo, ainda uma seção erramos nesta mídia e a solução americana, que produziu os seus efeitos indiscutíveis, foi a imposição de multas vultosas, como indenização ao agredido, dissuadindo a violência repetida.


A Constituição de 88, e já na premonição de uma segunda natureza da sociedade nos deu o instituto do habeas data. O cotidiano contemporâneo enfrenta a generalização do grampo e a invasão continuada da intimidade a partir do olho indiscriminado desse novo big brother em que se transformou o Estado onisciente de nossos dias. Em que termos de fato a exceção de segurança pode justificar esta razzia investigativa delirante, e em que permanecem como vestígio sonâmbulo a chantagem e a ameaça à legítima privacidade da cidadania? Não só não temos legislação criminal para evitar o voyeurismo eletrônico detetivesco, mas nos expomos ainda, não obstante a determinada reação do Ministério da Justiça, à criação de um quase crime corporativo continuado, pelo documental que apropriam policiais quando de suas aposentadorias.


O habeas data foi criado à saída da ditadura militar, para abrir os dossiês do SNI e da antiga visão ideológica da segurança nacional. Vivemos agora, na força democrática do governo Lula, o completo esvaziamento destes últimos arquivos, mas renova-se a importância do habeas data, no cobrar o informe de suspeitos e falsos suspeitos no quadro do respeito ao processo judicial e seu contraditório.


A Operação Satiagraha evidenciou o devaneio autoritário na luta contra a corrupção. E faz-se mister, em processos exemplares de seus responsáveis, e de vez, sanar o abuso da cidadania, nascido da sombra de suspeita sem volta e de dano irreversível dos direitos humanos, nesse avanço inédito das liberdades em que vai ao reconhecimento internacional o governo Lula.


Jornal do Brasil (RJ) 04/02/2009

Jornal do Brasil (RJ), 04/02/2009