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Direita e esquerda

 

A muito custo, convenci um amigo a assistir a um filme de Jacques Tati, "Meu tio", que volta e meia passa em cineclubes espalhados por aí (tenho um vídeo dele, mas em mau estado). O sujeito foi, chegou a dar algumas risadas, no final achou o filme chato. E disse por que: "Não tem bandido".


Não somente para ele mas para muita gente, talvez a maioria, nenhuma causa merece atenção se não há um bandido em cena, o combate entre o bem e o mal explícito, gritado na cara. Daí que, simplificando, concurso de miss, jogo de futebol, eleições em qualquer nível, seja para presidente da República ou para presidente de uma sociedade filatélica, transformam-se em batalha ideológica.


Tudo é reduzido ao combate entre o Bem e o Mal, que acaba se concentrando na luta entre direita e esquerda, a esquerda reunindo os bons, os bacanas, a gente boa; a direita ficando com a escória da sociedade, os corruptos, os não-transparentes.


Esquematizando qualquer problema, futebolizando desde a eleição de um papa até a escolha de um enredo para escola de samba, a divisão sagra eleitos (que geralmente perdem) e demoniza os adversários (que geralmente ganham).


No próximo plebiscito, que envolve uma questão que nada tem de ideológica (proibição de armas), os campos mais uma vez ficaram nítidos. A esquerda adotou o "sim" e fez dele uma bandeira de luta que redimirá a nação e salvará o povo. Velhos mitos saíram da toca para participar da luta "por um Brasil melhor e mais justo", sem cobrar cachê, por amor à causa. O desprendimento é ingrediente indispensável na luta em favor do bem, ficando o mal a cargo dos mercenários e oportunistas.


Não faz muito tempo, numa associação columbófila (que cuida de pombos) houve consulta entre os sócios para saber se deviam dar aos pombos milho sem aveia ou com aveia. Um dos lados acusou o outro de direitista porque era a favor da aveia. Houve bate-boca homicida na assembléia geral. A esquerda perdeu e se explicou: "É por isso que o Brasil não vai para a frente".




Folha de São Paulo (São Paulo) 16/10/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 16/10/2005