A presidente afastada Dilma Rousseff conseguiu o cúmulo do paradoxo, em sua defesa ontem no Senado, ao elogiar a Lei de Responsabilidade Fiscal como o maior instrumento de gestão pública que o país tem, a mesma legislação que ela transgrediu, e por isso está sendo julgada. O paradoxo foi acentuado quando ela atribui “à mídia” a culpa pelo golpe e, sempre que pode, se utiliza da mesma “mídia” para apoiar sua tese de que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha aceitou o impeachment por vingança.
Claro que ninguém esperaria que a presidente afastada Dilma Rousseff fosse ao Senado admitir sua culpa. E dizer-se inocente é comportamento comum a todos que estão em julgamento. Mesmo quando confessam seus crimes, os acusados têm direito a julgamento, onde o advogado de defesa tentará a justificar o ato ilegal, minimizar suas consequências, pedir compreensão dos jurados pelo que motivou a atitude do acusado.
Com a presidente Dilma não foi diferente. Ela não admite seus erros, tenta convencer seus julgadores, os senadores, que nada do que fez desrespeitou a legislação brasileira. Mas, implicitamente, tenta minimizar as acusações, dizendo que está sendo acusada por causa de “apenas” três decretos de suplementação orçamentária e “pedaladas” no Banco do Brasil para financiar a safra agrícola.
Aproveita-se da desatualização da lei de impeachment, de 1950, que impede que um presidente da República seja julgado por ato ocorrido fora de seu mandato, não levando em conta que a reeleição foi aprovada em 1997. O senador petista Humberto Costa destacou o que vários outros apoiadores de Dilma repetiram ontem: o impeachment é uma pena exagerada para tão pequenos desvios.
Não é possível fazer essa relativização, pois seria a mesma coisa de aceitar “um pouco de inflação”, como aconteceu durante o governo Dilma. Essa é a origem do verdadeiro problema dos governos petistas, considerar que os objetivos de seus projetos, supostamente benéficos aos mais pobres, podem ser alcançados sem controles externos.
Paradoxalmente, esse descontrole foi justamente o que provocou a maior depressão econômica que o país já viveu. Se na fala inicial a presidente afastada foi calculadamente sensata e alguma coisa emotiva, ao responder às perguntas dos senadores e senadoras, ela voltou a ser a velha Dilma de sempre, misturando conceitos e teses, confusa na sua fala e, sobretudo, insistindo nos mesmos argumentos que atribuem principalmente à crise internacional as causas das nossas mazelas econômicas e sociais.
Dilma insistiu sempre nos mesmos argumentos, de que não houve crime de responsabilidade. A questão é que, em todos os julgamentos, há visões distintas em embate, e quem decide é a maioria dos jurados, isto é, os senadores e senadoras. A presidente afastada insistiu, no seu discurso e nas respostas, na tese do golpe parlamentar que estaria em curso.
Mas ela fez um rearranjo no seu conceito sobre o golpe, afirmando que até o momento ele não se caracterizou, mas se ela for condenada, aí sim o golpe estará caracterizado. Como salientou o senador tucano Cassio Cunha Lima, essa tese é o mesmo que um pai dizer ao filho: pode torcer para qualquer time, desde que seja o Flamengo.
A tese de que o golpe será dado pela definição da maioria dos senadores a favor do impeachment, que continua sendo o resultado mais provável do julgamento, significa que a presidente afastada e seus seguidores não aceitam os senadores e senadoras como juízes, mas os qualificam como militantes políticos, golpistas no caso de condenação, e democratas e republicanos em caso de absolvição.
Não resiste a um raciocínio linear. Se a presidente afastada aceita todo o processo de julgamento, se submete a todo o rito que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, vai pessoalmente ao Senado convalidando o processo, e só o considera distorcido ou golpista em caso de sua condenação, não há como levar a sério um provável recurso que ela já deixou insinuado ao Supremo Tribunal Federal.