Finalmente fui ver “Aquarius”, num pequeno cinema perto de casa, numa sessão em que éramos cinco espectadores: um senhor saiu no meio, e um jovem casal não escondeu o entusiasmo no final. Foi um dos melhores filmes brasileiros a que assisti ultimamente, com uma Sonia Braga sem a sensualidade e o glamour de outrora, sem esconder as rugas, sem maquiagem e, no entanto, fascinante na talvez mais extraordinária interpretação de sua carreira. Seus closes dispensam as palavras para expressar as nuances de vários sentimentos.
O filme é tão bom que não precisaria usar a conjuntura política para chamar a atenção como fez no Festival de Cannes, onde a equipe do filme denunciou com cartazes o “golpe” no Brasil, reeditando o que ocorrera ali quase meio século antes. Só que os personagens eram outros — Godard à frente — e os tempos também, maio de 68. Estender a Cannes o protesto que tomava conta de Paris era mais adequado do que agora levar a crise de um país de là-bas. Exemplar foi o que aconteceu em 64, quando “Deus e o diabo na terra do sol” impactou o mundo cinematográfico. Os que lá estavam, como eu, éramos procurados para saber que país era aquele capaz de produzir uma obra-prima como aquela. O filme não ganhou a Palma de Ouro porque o representante comunista da então URSS acusou-o, acredite, de “subversivo”. Glauber Rocha, que fazia discurso político até contra o mau tempo e adorava uma teoria conspiratória (para ele, tudo era culpa da CIA), teve a elegância de não reclamar do resultado. Deixou que seus colegas — Pasolini e Visconti, entre outros — o fizessem.
Acho que a politizada campanha de lançamento de “Aquarius” prejudicou sua bilheteria por ser enganosa. Frustrou quem achava que ia ver na tela uma mensagem “Fora Temer”, ao mesmo tempo em que afastou quem temia ver um manifesto, quando é uma obra politicamente bem mais sutil do que qualquer palavra de ordem. Mesmo assim, chegou a servir a essa emburrecedora polarização que assola o país: quem gosta do filme é “petralha”, quem não gosta é “coxinha”.
A história de “Aquarius” é simples e atual. Uma jornalista aposentada resiste à pressão de uma poderosa construtora para que venda seu velho apartamento, o único ainda ocupado, para dar lugar a um grande e lucrativo empreendimento. Um episódio de resistência particular à especulação imobiliária. Mas por causa da revelação política de Kleber Mendonça Filho, o filme passou a permitir outras leituras que nem se sabe se estavam nas intenções dele. Assim, metaforicamente, os métodos modernos para expulsar algum personagem incômodo — seja a moradora de um apartamento ou de um palácio presidencial — não precisam usar a força bruta. Há meios mais eficientes que os tratores ou os tanques.
Para quem ainda não viu: esqueça as alegorias e curta a história.