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Diferenças? Só no futebol

 

Como se pode depreender da viagem de uma semana a Buenos Aires e Bariloche, a Argentina não vive o melhor dos seus momentos. Tem uma inflação alta e os empregos não são para todos. O seu governo (Cristina Kirchner) cria barreiras alfandegárias aos produtos de fora e a Índia, por exemplo, que importa óleo de soja, reduziu pela metade as suas encomendas, como forma de retaliação.
 
Enquanto os meios oficiais continuam reivindicando os direitos sobre as Ilhas Malvinas, um conjunto de 12 mil quilômetros quadrados de área no Atlântico Sul, conquistado ou usurpado pela  Inglaterra, em 1833, a solução parece longe de favorecer a Argentina. Os britânicos não aceitam nem conversar sobre o assunto.

Busca-se um modelo argentino de desenvolvimento. Não é só exportação e o consumo de carne vermelha e vinho, mas uma forma de transformar a atual nostalgia pela grandeza de outros tempos (PIB rivalizando com as principais reações europeias) em combustível para novos tempos, com a sólida base cultural que o país sempre teve. Aliás, quando se está em Buenos Aires, por exemplo, respira-se um clima nitidamente europeu. As ruas são largas, os prédios, mesmo os modernos, têm um toque arquitetônico característico do Velho Mundo. A programação do tradicional Teatro Colon é digna de louvor permanente, com a apresentação de grandes astros internacionais, sem contar os espetáculos de tango para todos os gostos, como o que vimos no clássico Teatro Ástor Piazzola (casa cheia).

Na capital argentina há 25 mil táxis rodando sem parar. Com tarifas camaradas. Num deles, que pegamos na maravilha que é Puerto Madero, encontramos a figura típica e louvada do taxista-filósofo. Sem que perguntasse qualquer coisa, ele foi logo perguntando se éramos brasileiros e desandou a falar, como se precisasse desabafar de algo que se encontrava só no futebol, aprisionado em sua garganta: "Tenho 60 anos, sou engenheiro, mas há 30 anos vivo do que me rende o táxi." Bate no painel do carro e, aproveitando-se de um sinal, berra pra trás que se trata de um carro brasileiro. Aqui só fazemos a montagem."

Diante do nosso espanto, ele prossegue: "Devemos ampliar a parceria com o Brasil. Parar com essa bobagem de protecionismo. Se podemos comprar carros e geladeiras mais baratos, vindos do nosso vizinho, pra quê manter essas — fronteiras que nos prejudicam?"

E parte para a geopolítica, como homem de cultura superior: "Não temos uma boa relação com a China. O Brasil tem. Devíamos ampliar os nossos negócios com o grande país asiático, mas através do Brasil. Trabalhar no comércio exterior como se fôssemos um só país. Isso iria melhorar as condições de vida do povo argentino." E dá uma ideia: "Vocês não poderiam nos emprestar o Lula por uns tempos? É urgente a nossa reforma econômica, como a que fez o Itamar Franco há tempos e está sendo mantida até hoje."

Despedimo-nos do taxista filósofo, vivamente impressionados com a coerência do seu pensamento. Ele tem razão.

"Devemos manter nossas diferenças só no futebol."

 Jornal do Commercio (RJ), 13/4/2012