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As diferenças não existem mais

 

Houve um tempo em que a graça brasileira era uma só. E em geral era naturalmente qualificada como Nacional. Não havia influências que acabassem com essa característica, todos nós sabíamos que o Brasil era um país original e que tudo o que aqui fosse feito devia começar a ser pensado como um mecanismo que caracterizasse a concepção original de seu modo de existir.

Acho que a primeira vez que vi isso acontecer de um modo diferente foi por causa exatamente da mensagem que você me fazia chegar, através de sua internet. Quando você me escreveu sobre esse assunto, esqueceu-se ou não quis me revelar de onde se dirigia a mim. Assim começou seu texto me dizendo simplesmente que “não ligue para os efeitos da piada, na verdade lhe escrevo agora sobre o que tem me acontecido nestes últimos tempos em relação a você e a meus amigos próximos, mesmo os mais íntimos”. E me falava do que andava acontecendo: você não conseguia mais discriminar o que sucedia perto ou mais distante de você. Era quase tudo a mesma coisa.

Assim, quando você escrevia que não ligava mais para as diferenças, você estava me dizendo que essas diferenças eram muito pequenas, que o mundo e a linguagem não estavam mais tão distantes um da outra a ponto de não sermos mais capazes de compreender a natureza de cada um. Vamos simplificar dizendo que, para você, as figuras que ilustravam essas diferenças não faziam mais sentido para o entendimento entre elas. Era desse modo que você entendia agora a relação entre as coisas e a visão concreta delas.

Trocando em miúdos, você não via mais a necessidade de me explicar ou me consultar sobre a diferença entre o que de fato acontecia e os critérios de qualquer acontecimento. Por exemplo, nesse caso concreto, você não precisava mais entender os motivos de tal afirmação. Bastava saber que as duas maneiras de ver as coisas estavam ambas corretas. Ou seja, tanto faz você defender as razões de cada um sob ângulos diversos.

O que importa mesmo é que, de um lado, nossas objeções a certas situações nem sempre estão de acordo com os conceitos que o outro faz delas. E, do outro, que nem sempre os argumentos devem ser os mesmos.

O próprio Brasil não era mais o mesmo, o que nos explicava antes não é mais o que nos explica agora. Posso garantir que a ideia que ele representava não é mais a mesma. Nem poderia ser. Suas diferentes formas de comportamento também se modificaram no tempo.

Sobretudo o que acontece hoje aqui tem tudo a ver com o que acontece acolá. Essa sim é uma concepção nacional do que é a Nação.

O Globo, 16/06/2024