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Diferença já, ministério depois

 

Ao lado do voyeurismo despertado pelo segredo do Ministério, a expectativa da novidade destes dias é a da criação imediata de símbolos, a marcar a evidência das prioridades do novo governo. Lula associou-a, de imediato, à implantação do Projeto Fome Zero, de José Graziano. Trazia à luz um dos esforços conjuntos mais elaborados do PT, na fieira das caravanas e dos olhares com que uma mesma carência de base explodiu no Brasil, em registros diferentes do que se peça ao presidente.


Sacos de comida já, ou entrepostos adequados para a sua distribuição, ou créditos para a compra de itens de uma cesta básica, ou condições para uma verdadeira agricultura de subsistência esgueirada entre as plantações extensivas ou uso da terra para especulação imobiliária? Por força a urgência urgentíssima vai à primeira modalidade de atendimento desta primeira demandada quinta parte dos brasileiros.


O importante é que a concessão ao assistencialismo venha de par, como é o caso, com a mudança de estrutura, do como se comporta a nossa vida coletiva, sua concentração de ganho e sua eliminação crescente destas bocas famintas de um Brasil na pauta da economia do mercado.


Ao anunciar a tarefa imediata, por excelência, o presidente eleito associou-a à exigência de atacar o problema da destituição no seu habitat mais cruel, qual o da subúrbia brasileira. A nação faminta é, também, a da falta de serviços públicos básicos, das endemias resultantes da carência dos esgotos, da miséria da fossa e das línguas negras, da lama imemorial dos barrancos fazendo vez das vias transitáveis, rente aos eixos do asfalto.


Pelo Ministério ou Secretaria, das Cidades, um governo Lula ataca também em bloco a terceira ponta do clássico programa de mudança social, deixado à falta de recursos pelo governo tucano, no binômio educação e saúde. Um novo programa de moradias, entretanto, já nasce com efeito multiplicador da integração com o desenvolvimento da infra-estrutura das cidades brasileiras, onde hoje já habitam 75% da população.


Sobretudo, nelas, insistindo Lula na estratégia de ataque às megalópoles brasileiras, no

clássico paradoxo de que a pior miséria vem de parede e meia com os centros mais opulentos da nossa prosperidade.


Nesta mesma medida, surgiria um Ministério da Ação Social, desde que a expectativa de multiplicação de resultados se safe do castigo das burocratizações. O PT sabe como termina o drama da obra interrompida, da ruína prematura, e da sua impossível retomada. Quando se atenta hoje à toma de palavra inaugural do PT, esquecemo-nos muitas vezes das experiências estaduais e municipais pregressas ou, sobretudo, do que valeu para remediar os nossos vícios de uma política social.


O empenho das caravanas em varar o Brasil trouxe, na volta das expedições, o inventário do desperdício nacional resultante da descontinuidade mais política do que administrativa, impossível pelo espírito de vendeta municipal ao prefeito de partido diverso, continuar o que fez o antecessor, ou privar-se do orgulho do começo, marco-zero da nova obra excelsa, só dele, custe o que custar, esbanje o que se faça mister.


A guarnecer-se de símbolos-caução, para desemperrar o realismo do que fazer, o PT pode até prescindir da lua-de-mel de cem dias, que a prática nacional conferiu como boda da glória a qualquer novo governo. Lula não se dá por achado, no que seja reconhecer o seu a seu dono, nos planos e instâncias em que, no novo imaginário da espera, colocou os atores entrantes em cena, frente ao lugar dos partidos de fé e do auxílio de fundo; dos chegados à última hora e, até, dos extras que se credenciam à retribuição, como se ainda tivéssemos em tempo das legendas de clientela. Toda honra e toda a glória a Brizola, Itamar, ou Ciro.


Mas esse balcão nobre que ocuparão no concerto das iniciativas de futuro - e na premissa de que consultar é intervir - distingue-se do cerne mesmo dos que decidirão. Este é o apanágio das figuras nucleares da chegada ao Planalto, no caminho das origens mais arraigadas do PT e das estratégias que este quadrilátero, desenhado a partir do grupo - "Articulação", foi responsável pela linha do realismo pragmático da campanha vencedora. Ou seja, do perfil em que, afinal, o PT abriu-se a um pluralismo de expectativas de toda a sociedade, no denominador comum da importância de se "virar a página".


Antonio Palocci, Luiz Gurshiken, Aloízio Mercadante e José Dirceu à frente do Governo varrem os perigos de "anticlímax" ou de pessimismos precipitados, no confundir-se com a união tradicional dos facilitários, a legenda que sopese e reparta o botim da vitória. O enunciado dos nomes corretos embasa o sustento do PT-opção, e da confiabilidade para a primeira hora.


A distribuição de protagonistas para metas-chave e adereços baliza o que é irremovível, no programa à frente, do que é seu recheio, para atender ao mais de troianos que de gregos, acorridos na cambulhada do adesismo sôfrego, depois do primeiro turno. No correr do primeiro mês da transição, o partido já nos mostrou o essencial, que é saber por onde não ir.


Vencendo as tradições da berlinda ministerial, e as sagas da bisbilhotice Planaltina, Lula ainda reforçou, de bamburro, o resguardo do que é seu, indiscutivelmente, no direito a fechar-se em copas até quando queira. E de assinalar quem sai, quem fica, já que o grupo de transição não é a semente da equipe do 1º de janeiro.


As evidências estão aí às escâncaras, de quem é quem no que começa, sem necessariamente dizer, por enquanto, ao que virão, num governo que, afinal, é essencialmente colegial, e tem as cadeiras cativas da fidelidade. E sem retrato falado, inescapável onde prima uma lógica de retribuições sobre a do serviço à frente. O presidente eleito - no símbolo final da demora de Ministério - não vai ao recurso paupérrimo do suspense. Mostrou que não entrega como prêmio, o que só lhe cabe, na responsabilidade-limite - que não acerta, nem erra. Vigia, nem mais dorme.




Jornal do Commercio (RJ) 29/11/2002

Jornal do Commercio (RJ), 29/11/2002