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Dias melhores virão afinal?

 

Leitores reclamaram do pessimismo da coluna passada, que terminava assim: “dias piores virão”. Um questionou: “logo você que diz ter nascido para ser careca e otimista!” Desculpem, foi um surto em consequência do que estamos vivendo, e não só meu, com certeza. Mas, no fundo, pertenço aos 25% da pesquisa do Ibope e não aos 45% de pessimistas. Sou otimista por vocação, por DNA, mas também por opção, já que o pessimista acaba torcendo para que tudo dê errado, que é para ter razão depois e tripudiar: “Eu não disse!”.

Consta que a palavra crise em chinês é escrita com dois caracteres, um ideograma representando perigo e o outro, oportunidade. A versão é contestada por especialistas em mandarim, mas muito aceita entre nós, porque nos serve de consolo, ainda mais avalizada não por superstição, mas por uma milenar cultura. Corresponde mais ou menos aos nossos equivalentes “nem tudo está perdido”, “há males que vêm para bem” e “por outro lado”. É uma proverbial estratégia de compensação psicológica.

No caso da crise atual, porém, talvez não seja artifício. Quando se chega ao fundo do poço, a única saída é sair. O que se está assistindo desse país escancarado tem um efeito catártico: ele é melhor do que aquele que escondia o que já existia ou que procurava tapar o tumor com esparadrapo. A sensação é de fim de mundo, mas na verdade é apenas o fim de um mundo corrompido. É sempre bom lembrar que, graças à Lava-Jato, salve ela, corruptos poderosos estão na cadeia ou à espera de ir, o que é uma novidade positiva, como é também ladrão de colarinho branco tendo que devolver dinheiro roubado. Quando se viu isso antes?

Atribui-se a Martin Luther King, o mártir do racismo nos EUA, a afirmação: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Por isso, foi animadora a recente entrevista que Miro Teixeira deu à repórter Letícia Fernandes. Decano da Câmara, já no 11º mandato, nunca se envolveu em escândalo e não apareceu na “lista do Fachin”, o que deveria ser normal, obrigatório, mas que nos tempos atuais é excepcional. Um pessimista diria que, para cada Miro, há dez Eduardo Cunha, mas o próprio acha que não é assim, que não está sozinho.

Ele joga no time dos que acreditam que o Brasil tem jeito e trabalha nesse sentido, defendendo a instalação de uma Constituinte para “desregulamentar” o país. “O excesso de regulamentação facilita a corrupção”, diz, anunciando: “O Brasil esgotou o ciclo da impunidade; agora a corrupção está ameaçada”.

Será que dias melhores virão afinal?.

O Globo, 22/04/2017