RIO DE JANEIRO - Um daqueles dias em que há a sensação de que não se deve sair de casa, nem da cama. Tudo começa com o telefonema do editor de uma revista reclamando o texto que ainda não teve tempo de escrever. Promete mandar mais tarde. E outro telefonema informa que a secretária torceu o pé, está no Miguel Couto, não irá trabalhar.
No caminho para o escritório, um acidente entre três carros provoca um baita engarrafamento na rua Voluntários da Pátria. Há um morto na calçada, coberto por um plástico azul, mas ainda sem a vela acesa que geralmente aparece nessas ocasiões. Chega atrasado à entrevista marcada com dois estudantes de um curso de letras. Querem saber, entre outras coisas, se prefere Machado de Assis ou Guimarães Rosa. Ele prefere Lima Barreto.
Duas horas da tarde, ainda sem ter almoçado, encomenda dois pastéis de queijo e um caldo de cana -que costumam ser a refeição em dias em que não há tempo nem vontade de encarar um restaurante. Os pastéis vêm gelados, e o caldo de cana, quente. Dispensa os dois e fica na xícara de café bem forte. Estourado, termina o expediente com uma dor de cabeça, dessas de arrasar quarteirão.
Vai à mesa da secretária e descobre na agenda dela que há ainda um compromisso, palestra de um amigo sobre o meio ambiente e o aquecimento do planeta - passa-lhe um e-mail informando que o aquecimento da Terra e a preocupação com a ecologia provocaram nele tremenda dor de cabeça. Diz que sente muito e se declara solidário com a cruzada por um mundo melhor.
Em casa, toma um comprimido que promete fazer a dor sumir e pega um livro de contos de J.D. Sallinger. Lê o "Dia Perfeito para o Peixe-banana" e descobre que teve um dia perfeito para um homem banana.
Folha de S. Paulo (SP) 24/6/2008