Diante da pergunta sobre o que nos resta, o mendigo da peça teatral responde de imediato:
— O ar, meu amigo, o ar. Mas se a vida continuar assim, eles conseguirão, por intermédio da ciência oficial, monopolizar esse elemento, e teremos de comprar balões de ar para viver, como os moribundos compram balões de oxigênio para prolongar a vida! A ciência não é inimiga do homem. O homem é que é inimigo do próprio homem!
Cito esse trecho da peça “Deus lhe pague”, escrita por Joracy Camargo, em 1932, para recordar a obra de um dos maiores intelectuais do nosso País. E que sempre defendeu o teatro para o povo. Dizia ele:
— Quando comecei a escrever, por necessidade econômica, e por imperativo da opressão reinante, estávamos no reinado do “teatro puro” poético, que é embriagador e se prende aos cânones mais brandos da velha tradição estética.
Joracy foi um dinâmico produtor cultural, que defendia a verdade dramática e que, por isso, jamais pode ser chamado de “ingênuo”. Temia que a cultura literária deformasse o gosto do público teatral.
Ao ser saudado na posse da Academia Brasileira de Letras, em 16 de outubro de 1967, na vaga de Viriato Correia (cadeira no 23), dele disse o escritor Adonias Filho: “Quando a ABL vos recebe, sabe que a si mesmo se valoriza. E sabe mais: sabe que não começa agora a vossa imortalidade porque imortal já era quem ao povo devolveu o seu próprio teatro.”
A peça mais famosa de Joracy Camargo teve cerca de 10 mil representações, no Brasil e fora dele, com versões em japonês, hebraico, francês, inglês, iídiche e espanhol. Lembro de um artigo do acadêmico R. Magalhães Jr. sobre essa peça fundamental: “O país inteiro ficou impressionado com o seu êxito, não só em São Paulo, mas no Rio de Janeiro, para onde Procópio Ferreira, seu criador, veio ocupando o desaparecido Teatro Cassino Beira-Mar.”
Na semana passada, se vivo fosse, Joracy Camargo estaria completando 110 anos de existência. Quis o destino que ele silenciasse em 1973, aos 75 anos, com uma expressiva e bem sucedida obra literária. Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, nos corredores da revista Manchete, que ele freqüentava com assiduidade, por causa de duas grandes amizades: Adolpho Bloch, que imprimira os seus primeiros trabalhos, ainda na década de 20, e Raymundo Magalhães Jr., com quem dividia as agruras de comandar a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). Era uma figura afável e extremamente agradável, simples, até mesmo humilde. Só se agitava pouco mais quando o tema se referia a alguma injustiça cometida contra o seu amado América Futebol Clube. Aliás, ele não era o único torcedor da agremiação tijucana. Dessa gloriosa bancada fizeram parte, entre outros, Genolino Amado, Marques Rebelo e Francisco de Assis Barbosa, para citar só os mais antigos, na ABL.