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Desgostos de agosto

 

Agosto é mês de desgosto, diz o bordão. Logo se cita o suicídio de Getúlio. Mas outro caso de agosto teve profundas repercussões na História do Brasil: a renúncia de Jânio Quadros. Carlos Castelo Branco, que gostava de afirmar que era apenas um repórter, mas o consolidador do jornalismo de análise em nosso País, publicou um pequeno livro com seu depoimento sobre a renúncia do Presidente Jânio Quadros. Muitas vezes disse-me que tinha escrito estas páginas e que elas somente deveriam ser publicadas depois de sua morte. É o relato preciso de um repórter que anotou e analisou os fatos com uma precisão de linguagem e uma honestidade exemplares, características de sua personalidade. Mas não é fácil, para o leitor de hoje, entender aqueles tempos.

O último período de Vargas foi todo ele marcado por um clima de esperto suspense sem que ninguém soubesse como era o seu processo de decisão e quais os seus objetivos. O governo de Jânio, no sentimento dos que com ele trabalhavam, era de medos e imprevistos. O presidente era uma alma que não se deixava revelar e nele nunca se distinguia bem entre o grande homem público e o teatro. Castelo pinta com precisão esse cenário.

Castelinho não diz o motivo da renúncia. Ele ficou encurralado num leque de explicações, nenhuma delas racional. Não quis listá-las. Eu acredito que ninguém pode explicá-la. Nem Jânio Quadros, o autor, sabia. O Presidente costumava viver pessoalmente um personagem de tensão a inspirar temor. Se tinha afetos maiores, eles jamais se explicitavam, e nem suas ideias, nem suas paixões. Castelo revela que, quando voltou da Europa, após deixar o governo, o ex-Presidente entregou a ele, a José Aparecido e Oscar Pedroso Horta — seu Ministro da Justiça — a tarefa de escreverem a explicação da renúncia, bem como a de escolherem o melhor caminho de levá-la ao público, já com os olhos voltados para o futuro político.

Fui vice-líder do governo Jânio Quadros. Com o Presidente, através de Aparecido, Castelo, Quintanilha Ribeiro tinha uma convivência quase protocolar. Mas dele sempre recebi provas de consideração. Um dia, às sete horas da manhã, chamou-me a seu gabinete e foi incisivo:

— Preciso do Senhor, Deputado Sarney. Em Cuba fizeram uma revolução. No governo só tem gente jovem. Quero mostrar-lhes que o Embaixador do Brasil será um jovem de trinta anos!

Fiquei perplexo. Eu começava minha carreira política e minha única aspiração era ser um bom parlamentar. Fui ao Chanceler Afonso Arinos, meu velho e querido e sempre saudoso amigo, e pedi-lhe proteção: "Ajude-me a demover esse homem dessa insensatez. Eu não tenho, acrescentei com humor, desejo de repercutir na ONU..." A coisa passou.

No livro de Castelo há uma omissão. A noite da véspera da renúncia, que ele descreve, eu acompanhei de perto. Estava com ele na casa do Horta, que me chamou para uma conversa separada e pediu-me para ir na manhã seguinte à Câmara dos Deputados fazer um levantamento de todas as emendas constitucionais em tramitação, pois desejava ir ao Congresso e responder às denúncias de Carlos Lacerda, então Governador da Guanabara, tendo como base que todas as reformas que solicitava estavam no Congresso, não haviam sido por ele inventadas e, assim, não eram pistas de um "golpe de estado". Eram umas três horas da manhã. Pouco depois saíamos. Quando eu e Castelo descemos no elevador perguntei-lhe, sentindo que a crise era profunda: — "O que vai acontecer?" Ele respondeu-me: — "O Horta caiu, Aparecido ganhou."

Às quatro horas da tarde o presente já era passado: Jânio estava em Cumbica, e todos nós vivíamos uma frustração que doeu por muito tempo.

Algum tempo depois cobrei do Castelo sua afirmação naquela fria madrugada de Brasília, e ele completou: "O Horta caiu mesmo. Somente não se sabia que ele, para não sair só, levou o Jânio." Em mim, ficou a impressão de que aí estava a motivação de o Ministro da Justiça ter sido tão intransigente na entrega imediata da carta de renúncia ao Congresso Nacional.

Velhos tempos, que têm o sabor das coisas velhas, vividas e que nunca se explicam. De Getúlio se conhece o caminho do suicídio. Ele sabia que a bala com que ia matar a República do Galeão passava pelo seu coração. Era um gesto político. O da renúncia de Jânio nunca ninguém saberá, nem ele mesmo sabia. Era o segredo de uma madrugada de angústia com a lembrança de De Gaulle, renunciando e voltando.

Eu e a UDN, depois da renúncia, contraímos uma úlcera de estômago, que jamais nos largou.

Imirante, 20/08/2024