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Demasiadamente humano

 

A crônica que escrevi para a Ilustrada na última sexta-feira ("O homem terminal") provocou, como eu esperava, muitas mensagens, algumas a favor, outras contra o assunto que abordei. Destaco e transcrevo a mensagem via e-mail recebida do leitor Gilberto de Mello Kujawski, autor de "Machado de Assis por Dentro":

"Sem querer, você repete Heidegger no que ele escreve a respeito da morte, tema importante de seu livro 'Ser e Tempo'. Com furor teutônico, o filósofo alemão declara que a morte é constitutiva da existência.(...) Trata-se do 'existir' chegar ao seu fim, aquilo que Heidegger chama de 'Sein zum Tode'.

Costuma-se traduzir esta expressão como "ser para a morte", que não tem muito sentido. A melhor tradução é a seguinte: 'Estar à morte'. Estamos à morte desde que nascemos, não só quando vamos para a UTI. Nisso consiste o 'Sein zum Tode' heideggeriano. Coincide com suas palavras: 'Somos todos terminais desde que nascemos'."

Apesar de seu passado polêmico, acusado de ter sido membro do Partido Nazista, considero Heidegger o maior filósofo do nosso tempo, no mesmo patamar de Descartes lá atrás.

Quanto ao assunto em si, poderia citar outro filósofo, também de minha predileção, o grande Santo Agostinho, um dos mais importantes da humanidade: "A vida não é mortal, a morte é que é vital".

Uma leitora narra a morte de sua cadela, que, de repente, parou de respirar. Conclui que os animais sabem quando é preciso morrer. Ao sentirem que chegou a hora, os cavalos procuram o lugar onde nasceram, fechando o ciclo do existir.

O final da "Nona Sinfonia", de Beethoven, é a prova definitiva da existência de um gênio. Reconheço que o assunto desta crônica não é prazeroso, mas é humano, e como dizia Nietzsche, demasiadamente humano.

Folha de São Paulo, 8/11/2011