Não costumo aderir às modas que se sucedem, sobretudo no campo do jornalismo. Não faz tempo, os redatores usavam o verbo "disparar" no sentido de retrucar, acusar. Outra mania, fartamente adotada pelos membros das atuais CPIs, é usar a expressão "ao fim e ao cabo", que nem sentido faz, além da redundância - que o bom gosto aconselha evitar.
Moda relativamente antiga nos processos penais e que entrou em circulação nos dias que correm é a delação premiada. Para o uso comum, qualquer delação é odiosa. Durante o regime militar, tivemos uma excelente safra de dedos-duros. Alguns exerciam a função gratuitamente, não pretendiam prêmios nem vantagens, delatavam por amor à arte de delatar. Outros, certamente a maioria, delatavam para ganhar alguma coisa: penas menores em certos casos, dinheiro vivo em outros.
Na atual fase de denúncias e investigações, parece que as porteiras da delação ficaram escancaradas e os mais comprometidos já negociam os respectivos prêmios, que serão proporcionais ao valor da delação. Potencialmente, todos podem apelar para ela na esperança de lucrar alguma coisa.
A prática é polêmica, tanto do ponto de vista moral como jurídico. Uma coisa é a confissão que revela circunstâncias, motivos e detalhes que poderão esclarecer um crime. A delação tem outra finalidade, além de ganhar o prêmio - seja em dinheiro, liberdade ou diminuição da pena. Abre a possibilidade de acusações nem sempre verdadeiras, ou parcialmente verdadeiras, feitas não por amor à justiça, mas por vingança, ressentimento e, até mesmo, para complicar ou impedir a ação dos tribunais. O argumento que explicaria a delação premiada é o bem da sociedade ao término do processo.
Ao "fim e ao cabo", lembro aquela verdade que rola ao longo dos séculos: aproveita-se a delação, mas despreza-se o delator, premiado ou não.
Folha de São Paulo (São Paulo) 18/08/2005