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Declaração de voto

 

Pelo saneamento dos costumes políticos, pela Pátria e por Deus, senhor presidente, declaro que...


SENHOR PRESIDENTE, em primeiro lugar, pela minha mulher, Maria das Dores, e pelos meus sete filhos, a saber: Leôncio, Leonor, Leopoldo, Leonel, Leovegildo, Leonora e Leo (não esperamos ter mais filhos, minha mulher já ligou as trompas); pelos meus pais, Manoel Victorino (com "c") e Maria Amélia, ele ex-comerciante na praça e ela professora jubilada; pelos meus irmãos João Luiz, Mario Luiz, Luiza Maria, esta última falecida precocemente de uma pneumonia provocada por um vento encanado; pelo meu cunhado Gervásio Pimenta, ex-diretor da firma Soeiro & Irmãos, de Porciúncula, e vogal da diretoria do Rotary Club da mesma cidade; pela minha mestra Julia Lopes, a querida dona Julinha, que me ensinou as primeiras letras... (aparte anônimo no plenário:... e as últimas!); pelo vigário de Porciúncula, monsenhor Aguiar Bezerra, homem de Deus que dedicou sua vida aos pobres deixando pios exemplos de caridade cristã; pelo meu compadre Eleutério Gomes, pai amantíssimo, esposo exemplar, mesário no último pleito, que impediu a fraude de meus adversários que tentaram anular a minha votação sob a pérfida alegação de que os defuntos da minha zona eleitoral haviam comparecido compactamente às urnas; pelo meu primo de segundo grau Marcelino de Jesus Caldas, herdeiro do grande nome dos Caldas de Porciúncula, homem de raras virtudes e de vastos campos, onde cria o melhor gado zebu do nordeste fluminense, mecenas que comprou toda a produção artística do Zabelinho, o famoso pintor primitivo que esboçou o grande painel "Trancredo Neves Sobe ao Trono do Altíssimo e Abençoa Porciúncula", painel que já apareceu no apreciado programa de televisão "Documento Especial"; pelo meu amigo de infância Sebastião Correia da Silva, o popular Tião do Meio, que realizou a façanha de casar com duas irmãs e dormir no meio das duas; pelo eminente dr. Feliciano Castelo Branco, douto juiz da comarca e presidente da Associação dos Filatelistas do Nordeste Fluminense, prolífico autor de obras jurídicas, literárias, históricas, técnicas, científicas e, naturalmente, filatélicas; pela memória de minha madrinha, Albertina Gusmão Teixeira, cujos lábios me ensinaram a rezar ao Criador; pelo doutor Natanael Veras de Alcântara, cirurgião-dentista dos mais capazes, que trata gratuitamente, mas com grande dedicação, os meninos do Orfanato Santo Agostinho, que mantenho na minha cidade; pelos meus colegas do Departamento de Veterinária de Miracema, onde iniciei minha vida pública como motorista da carrocinha de cachorro do município; pelo coronel Passos Dias Aguiar, fazendeiro dos mais ilustres, que exortou patrioticamente os seus 1.500 colonos a sufragarem o meu nome no último pleito, e assim agiu por um ditame de consciência e não porque pleiteei junto ao delegado o arquivamento de um processo de defloramento -aleivosia que meus adversários achacaram contra a honra do íntegro coronel-; pela Associação Rural e Beneficente de Santo Antonio de Pádua, cujos membros, coesos em torno da ética na vida pública, realizaram uma exposição de suínos da raça york para angariar fundos destinados à campanha pela moralização da vida pública; pela nobre liderança do deputado Alípio Abranhos, chefe inconteste da seção do nordeste fluminense de meu partido, cujos conselhos sempre procurei ouvir para reta conduta parlamentar; finalmente, senhor presidente, pelos valores morais da grande Nação Brasileira, pela Ética e pelos Bons Costumes, pelas criancinhas desamparadas e pelos menores carentes, pelos doentes desenganados, pelas mulheres sovadas pelos maridos e pelos maridos traídos pelas mulheres, pelos patrícios que desejam viver e morrer num país onde não campeie a impunidade, pela valorosa imprensa nacional que tão alto exemplo de competência e desinteressado patriotismo deixou nos anais de nossa história, pela sobrevivência dos mais altos postulados da Civilização Cristã e Ocidental, pela memória de irmã Dulce e de Chico Mendes, pelo saneamento de nossos costumes políticos, pela Ética, pelo Bem, pela Pátria e por Deus, senhor presidente, declaro que votarei em branco!


Folha de S. Paulo (SP) 11/7/2008