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De volta ao futuro

 

Sérgio Moro dizer que Bolsonaro é seu candidato a presidente em 2022 tornou-se uma das declarações mais impactantes dos últimos dias. Afinal, Moro é o melhor cabo eleitoral em circulação, já que Lula continua encarcerado. Mas não convence ninguém, principalmente o presidente, de que ali na Esplanada dos Ministérios não está instalado um potencial adversário na disputa presidencial.

Bolsonaro lançar o prefeito de Salvador ACM Neto a presidente, para irritar o governador petista da Bahia Rui Pimenta, sugere que o presidente, que dizia que não se candidataria à reeleição, só pensa naquilo.

Não foi por acaso que já atacou, do nada, o governador João Doria e o apresentador de televisão Luciano Huck. São possíveis candidatos à presidência com ativos políticos fortes: um atua no maior colégio eleitoral do país, o que torna qualquer governador paulista candidato automático.

O outro é muito popular, viaja por todo o país com seu programa, e desde 2018, quando quase disputou a eleição presidencial, tomou gosto por estudar questões nacionais e dedica-se a um projeto de formar cidadãos capazes de serem políticos modernos através da ONG Renovar BR.

O sonho de consumo de Bolsonaro é ver Lula livre. Repetir a disputa entre petistas e antipetistas é o caminho mais curto para permanecer oito anos no Palácio do Planalto, mas, para isso, não pode abrir espaço para um candidato de centro competitivo.

Lula, se conseguir que sua condenação pelo triplex do Guarujá seja anulada, tem todas as condições de iniciar uma campanha de recuperação de imagem. Criatividade e disposição não lhe faltam.

Depois de mais de um ano na prisão, acusado de comandar o maior esquema de corrupção já descoberto no país, ainda consegue criar fatos políticos, como anunciar que não aceita o regime semiaberto, por ser inocente.

Se a condenação for anulada, sairá da cadeia com um selo de perseguido político dado pelo STF, o que validará sua versão. Controlar a Operação Lava Jato, para que deixe de ser percebida como uma instituição de combate à corrupção apartada das demais da Justiça brasileira, é mais atraente para muitos ministros do Supremo, e parlamentares, do que a condenação de Lula e de outros criminosos do colarinho branco apanhados pela ampla rede de investigações que foi montada a partir de Curitiba.

Tentar validar provas roubadas, retardar os processos, fazendo-os retroceder em nome da ampla defesa, faz parte dessa estratégia. Assim como a proposta do novo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, de descentralizar os inquéritos, criando várias forças-tarefas pelos estados.

Esvaziar Curitiba como responsável pelos êxitos do combate à corrupção ajudaria a desmontar a imagem de Moro e dos procuradores da Lava Jato. O Supremo já está fazendo parte do serviço mandando para a primeira instância ou para a Justiça Eleitoral processos desmembrados da Lava Jato.

Todos são muito ciosos de suas áreas de poder em Brasília, e cada um quer preservar a sua. Até mesmo o governador do Rio, Wilson Witzel, que se lançou candidato a presidente da República logo depois de se eleger surpreendentemente, entrou em colisão com o presidente, que já aconselhou o “Naval”, como chama Witzel, por ter sido fuzileiro naval, a não disputar a eleição presidencial.

Por que Bolsonaro antecipou tanto a disputa eleitoral, fazendo com mais profundidade o que sempre criticou em seus adversários? Tudo indica que Bolsonaro gosta mais de disputar do que de governar. Assim como Lula, que não sai do palanque nem mesmo na cadeia.

Um populista de direita contra outro de esquerda, e o país fica refém de um jogo politico em que as partes se acomodam em torno do mesmo interesse comum, sem abrir espaço para outras forças políticas.

Lula domina a esquerda e impede que outros candidatos se viabilizem, como aconteceu com Ciro Gomes na eleição de 2018 ou com Marina Silva desde 2014. Bolsonaro quer tomar conta da centro-direita. Assumiu o controle do eleitorado do PSDB no centro-oeste e no sul justamente por ser o candidato competitivo para derrotar o petismo.

Cada um com seus defeitos e qualidades, prefere lutar contra o outro a enfrentar um candidato de centro. Bolsonaro espera ser novamente a alternativa realista contra o PT. Lula torce para que o governo Bolsonaro confirme sua tendência ao autoritarismo. Como no Brasil até o passado é incerto, como se vê agora com a novidade do STF de anular os julgamentos em que o delator falou depois do delatado, não é possível, com três anos de antecedência, saber o que nos aguarda como “país do futuro”. 

O Globo, 05/10/2019