Acoletiva do dia 27 de novembro dos presidentes do Executivo, Câmara e Senado deixou muito claro, com as votações imediatas no Legislativo, quanto cada titular subestima a opinião pública. A coletiva só não foi de todo insossa porque o senhor Temer perdeu-se ao tentar negar procedimentos muito graves, com velhos chavões. Não entro no mérito da questão, em si mesma deserta de mérito, aliás, e nem tampouco no pacote anticorrupção, essa nuvem de ideias razoáveis e derivas autoritárias, proposto pela força-tarefa da Lava-Jato, que a Câmara modificou a tal ponto que deu à luz um desairoso ornitorrinco.
Corre no ar uma ideia temerária, que se avoluma nos lábios de um coro disperso, entre malévolo e ingênuo, segundo a qual o governo deve tomar duras medidas sem recorrer à consulta popular, pois não teria mais nada a perder, senão a não si próprio, como se encontra, aliás, no momento, e por um fio. Trata-se de uma retórica que pode empurrar o país rapidamente para o lado mais tenebroso do abismo em que se encontra, ao arrepio de valores democráticos fundamentais. Para uma área da política, o governo atual não passa de um João Batista, sem aura ou santidade, bem entendido, para não dizer o inverso fatal daquele asceta, pronto a enfiar goela abaixo o remédio amargo para “sanar” a economia, preparando, assim, o caminho ao sucessor, que chegaria ao Planalto, em 2018, como puro cavaleiro do Graal, para fundar uma espécie de restauração, por assim dizer, murmurada entre os dentes, com a cabeça do próprio Batista nas mãos.
Não é hora de subestimar a enorme tensão de nossos dias. O desprezo pelo diálogo, tremendamente complexo, e agravado pela economia em queda, amplia a indignação das ruas, como vimos recentemente. O país mudou e não se resume a uma gramática palaciana, mas a virtudes criativas e ousadas para reatar o elo perdido.
Faz-se urgente encontrar uma solução política “super partes”, sem cálculos oportunistas, fora das trincheiras do ódio, segundo uma ética da mediação. Sobretudo quando entra em cena a reforma da Previdência, que exige o sacrifício de todos, ao passo que poupa a casta de juízes, políticos e Forças Armadas, em detrimento da maioria dos intocáveis dessa forma jurássica de compreender a gestão da coisa pública.
Não discuto o leque de modalidades possíveis e nem tampouco a amplitude das reformas. Insisto, no entanto, que, ao desabonar o debate sobre a agenda econômica, prepara-se a desintegração do tecido democrático e se desidrata o tecido institucional. Já não se admite a governança isolada, presa a uma torre de marfim, dialogando com uma parte das forças políticas, em detrimento do conjunto da sociedade. Estamos no limite de oxigênio.
O impasse a que chegamos precisa encontrar uma saída política negociada, mediante forças de representação autênticas, não subalternas, dispostas ao diálogo, com a mesma grandeza republicana que inspirou a Constituição de 1988.