Todas as vezes que me abeiro de Dante, é como se a esfinge estivesse pronta a devorar-me.
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A Commedia é uma fonte secreta no deserto por onde vago. Não me peçam água salobra!
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Melancolia do canto 33 do Paraíso. O impronunciável. Um sonho se desfaz. A neve descongela. E as folhas da Sibila que se perdem. Não é possível desatar a trama do silêncio, pejado de mistério e ressonância. Feliz contradição no adjetivo: a poesia, uma derrota vitoriosa.
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Como se deu a vitória, senão desde as potências da metalinguagem? Poesia que indaga seus limites, o repertório de que pode lançar mão. Poesia de segundo grau, a novos patamares elevada.
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A cada dia visito a Commedia. Mas não me pronuncio: como se fosse um bem intransmissível. Herança dos estudos neoplatônicos? Quem sabe um incompleto parricídio? Uma zona de guerra que apressa ao silêncio. Consonante? Dissonante?
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Escrevi certa vez: o náufrago lugar do não-lugar. Do Inferno e Purgatório, a densa geografia. A que se opõe o frágil Paraíso, em busca da moldura luminosa.
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O silêncio inegociável do Paraíso. Mas de outra espécie, no Inferno e Purgatório. Aliado da luz e cúmplice da sombra: o silêncio tem fome de silêncio.
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No Paraíso, o rosto possível de Deus: totum sed non totaliter. Se a Torá projeta o rosto no futuro, o Alcorão amplia o meta-ôntico. Um rosto que jamais se desvela: Or fu sì fatta la sembianza vostra?