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Da ‘Primavera Árabe’ ao inverno democrático

 

O Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações vem de se reunir no Cazaquistão para debruçar-se sobre o perfil de uma globalização pós-hegemônica. Qual o impacto dos BRICS no real balanço de poder frente ao atual protagonismo internacional? Superarmos um contraponto realmente polarizado como nos velhos tempos da Guerra Fria?

A recente reunião de cúpula entre a China e a Índia evidenciou a pobreza de pautas numa agenda conjunta do que fazer na contemporaneidade. Despontam nações totalmente envolvidas pelo gigantismo de seu mercado interno e cada vez mais voltadas para esse desenvolvimento na busca do seu welfare, e a China, num disparo de seu PNB, em contraste com os vizinhos. Da mesma forma discutiu-se o aliancismo latino-americano, sobretudo a partir dos fracassos repetidos da UNASUR ou do CONASUR. Deparam-se, sim, e ao contrário, coalizões em que o peso já supracontinental do Brasil confronta, agora, a dita Aliança do Pacífico, a reunir o Chile, a Colômbia e o Peru com o México, e diante desse reconhecimento de nosso país com um protagonismo internacional autônomo e crescente.

O eixo das cogitações no Cazaquistão foi, entretanto, ao fracasso da Primavera Árabe e ao que se pensava fosse, com o abate das ditaduras, o implante da democracia e, ao mesmo tempo, do laicismo requerido pela nossa visão da modernidade. Aí está o impasse da Constituição na Tunísia, a desestruturação política da Líbia, a guerra civil da Síria e, sobretudo, o golpe militar contra a primeira eleição num Estado de Direito no Egito, do Presidente Mursi. A derrubada do chefe de Estado obedeceu ao argumento de que o governo iria levar ao poder, irrevogavelmente, a Fraternidade Mulçumana, e ao implante de uma religião de Estado.

O que está em causa, pois, é esta dupla regressão do horizonte da modernidade visto no começo do novo século com a queda do laicismo e a vigência da democracia. Mergulhamos, cada vez mais, na busca da paz mundial, frente ao espectro da “guerra de religiões”, numa estrita realpolitik. Contra os seus próprios imperativos legais, os EUA apoiaram o golpe no Cairo e mantêm todo o auxílio econômico e militar aos sucessores.

Da mesma maneira, e pela primeira vez na história, as culturas budistas saem da sua neutralidade política em Mianmar e, dentro de um novo radicalismo religioso, querem proscrever as minorias islâmicas no país. Mas o mais inquietante parece ser este recrudescimento do terrorismo em escala mundial no espectro de um novo 11 de setembro de 2001, com o fechamento cautelar, nestes dias, de Embaixadas e Consulados americanos na África e no Oriente Médio. É o que ecoa a recente declaração de Al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden, a nos declarar que a violência é justificável sempre como “uma amputação para salvar um corpo social” e a propor que um desarme com o Ocidente pudesse dar um grande passo, por exemplo, pela conversão de Obama ao Islã.

Jornal do Commercio (RJ), 30/8/2013