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A culpa também é nossa

 

Impeachment é para impedir mandatos, não a civilidade. Uma lição a ser aprendida pelos iracundos dos dois lados.

Trégua na guerra. Numa época em que amigos estão brigando por causa de política, a foto da primeira página do GLOBO de anteontem é um belo exemplo de que as divergências nesse campo podem comportar respeito e gentileza, não ofensas e ódio. Debaixo da manchete informando que a Lava-Jato se aproxima de Dilma, acusação e defesa da presidente afastada se abraçam — e não com um abraço frio e protocolar. A intensa e aguerrida Janaína Paschoal é flagrada com um raro e derretido sorriso de quem está recebendo um elogio e/ou, quem sabe, um galanteio de seu adversário de ofício no processo de impeachment, o advogado José Eduardo Cardozo. Quer dizer: impeachment é para impedir mandatos, não a civilidade. Uma lição a ser aprendida pelos iracundos dos dois lados.

A outra pausa, essa de humor involuntário, foi a prisão do policial da PF que ficou conhecido justamente por escoltar presos, não por virar um deles. O tanto que há de engraçado nesse caso foi um prato cheio para as redes sociais. Se fosse uma telenovela interminável, como essa crise política às vezes parece ser, o autor certamente não o incluiria no enredo, por inverossímil. Seria acaso demais.

Mas não se pode esquecer de que há no episódio um lado sem graça, o de que, bem antes de ser transformado em celebridade, tornando-se o folclórico Japonês da Federal, com direito a máscara e marchinha de carnaval, a conto erótico e a assédio de selfies de parlamentares no Congresso, o obscuro agente Newton Ishii já em 2003 estava envolvido em esquema de contrabando do Paraguai, chegando a ser condenado em 2009.

Seria importante descobrir em que medida nós, da imprensa, com o fascínio que temos pelos personagens pitorescos e exóticos que rendam “uma boa história”, deixamos às vezes de cobrir o “lado oculto” e ajudamos assim a criar falsos mitos como o do Japonês da Federal, que enganou a todos prendendo em vez de ser preso.

Agora, sobre um mito de verdade. De repente, Alice passou a falar de Malala como se conhecesse a heroína paquistanesa que desafiou a lei dos terroristas talibãs que proibia meninas de estudar. Por isso, aos 15 anos, sofreu um atentado a tiro quando voltava da escola, sobreviveu milagrosamente e, aos 17, foi a mais jovem ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Minha neta soube de tudo isso porque foi lida para ela a história da “menina que queria ir para a escola”, de Adriana Carranca, o primeiro livro-reportagem infantil. Poucos dias após o atentado, ela chegou ao Vale do Swat, no Paquistão, terra de Malala e de reis e rainhas ancestrais. O resultado dessa imersão jornalística foi um irresistível conto de fadas real para crianças de todas as idades. Alice vai mandar uma carta para sua distante amiga que, segundo a autora, responde.

O Globo, 11/06/2016