No último sábado, em palestra promovida pela Clam, abordei a crise política que engolfou o governo e o partido do qual se originou. Pessoalmente, embora não descarte o imponderável, acredito que ela ficará mais ou menos no nível em que se encontra, com novas revelações que assombrarão a sociedade, mas circunscritas aos elementos que nela já estão comprometidos.
As CPIs, e mais tarde a Justiça, terão condições para destrinchar o cipoal e punir a corrupção que se instalou no núcleo do poder. Tão logo isso aconteça, a crise tenderá a refluir, normalizando a vida política nacional, apesar dos mortos e feridos que ficarão estendidos pelo caminho.
A verdadeira crise está um furo a cima e tem um nome: Lula. Não quero dizer que ele será arrastado na lama atualmente revolvida. Continuo achando - e creio que a sociedade também pensa assim - que Lula não tem nada a ver diretamente com tudo o que vem acontecendo de lastimável em seu governo.
Mas a crise real está mesmo na incapacidade de Lula de administrar. Dotado de um carisma especial, que o identifica com o cidadão comum, falta-lhe a competência executiva, da qual não tem gosto nem treino.
Distinguiu-se como mediador das alas conflitantes de seu partido, sempre se colocando num limbo em que sua autoridade não podia ser contestada. No mais, delegava a amigos e companheiros uma linha de ação, esperando deles que buscassem os meios para realizá-la.
Evidente que não irá adquirir esta capacidade executiva de uma hora para outra. Falta-lhe vocação e gosto para mergulhar no labirinto de uma administração muito mais complexa do que um partido. Aprova ou desaprova pleitos, nomeia e demite auxiliares à medida que é pressionado. A crise de agora é fruto dessa inapetência pelo ofício executivo. E a próxima também o será - e provavelmente mais devastadora.
Folha de São Paulo (São Paulo) 18/07/2005