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A crise depois de Dirceu

 

Todos os processos de cassação, exceto o de Rômulo Queiroz, passam ao ano que vem. Sem mais, pois que não há ânimo no Legislativo para as convocações extraordinárias. Não se vai à luta, pois, no romper do ano, mas tão-só - e se Deus quiser - depois do Carnaval, que ninguém é de ferro e o país precisa manter-se fiel à boa memória curta. Morre a crise de morte morrida, ou seja, a do cansaço mesmo, e do desfecho das duas cassações-símbolo, ou torna-se inútil diante dos jogos feitos implicitamente para o ano eleitoral e das apostas para chegar às urnas?


O marco parece ser, para as oposições, o do que vêem como a queda efetiva da popularidade presidencial, abrindo uma fresta para a perda da crença no que, há seis meses, dava por favas contadas a reeleição de Lula. Até onde, daqui para frente, novas revelações das CPIs prorrogadas podem ter novo impacto no que já se sabe? Ou, sobretudo, no crescimento da consciência nacional de uma convicção sobre os limites do denuncismo? É o que vem de par com a purga, no governo, do que seja a perda da inocência do PT, sem, com isso, esfacelarem-se os seus quadros ou perder-se a credibilidade básica no ''Lula-lá''. A se reabrirem os processos de cassações, o respingo será geral em todos os partidos. Mais que a nova degola de petistas, o que interessa à oposição é impedir que se baixe o cutelo em suas personalidades-chave, tal como Eduardo Azeredo, que, à vista da possível tempestade, deixou a presidência do partido.


A solução política do empate técnico das cassações - a cabeça de Jefferson somando-se à de Dirceu - não fechou o ciclo das forras políticas. Não foi acolhida com algazarra pelo outro lado, mas a partir de uma incômoda sensação de má consciência cívica. É o que resulta de buscar-se, para execução, um alvo-mor, na crença absoluta da megamaquinação. Homologou-se a ditadura da suspeita.


O probabilíssimo recurso ao Supremo contra a cassação compõe mais uma peça de nova maturidade política do país, como saldo positivo da luta contra os denuncismos pré-eleitorais de todo o sempre. Não é possível que a solução política da crise homologue a absoluta ditadura da conveniência de interesses da hora - por sobre os direitos básicos da representação, ao lado do direito de qualquer brasileiro a participar da coisa pública. Ao dizer que precisa de Dirceu no palanque, Lula indica que uma reeleição não excluiria eventual torna do ex-chefe da Casa Civil.


O recurso ao Supremo contra a cassação marca uma instância crítica para o ano que se inicia, pondo em causa não só a resistência contra os castigos políticos, quando estes se lastreiem na estrita conveniência política, sem o respaldo das evidências e das provas, que tire uma condenação do arbítrio puro do oportunismo da hora. A cassação dentro das facilidades do proclamado atentado ao decoro não deixa de definir o fato ou a razão objetiva que motiva. Se espirro forte ou escândalo de indumentária no legislador que se remove do convívio dos eleitos.


O apelo à Corte Suprema se estriba, inclusive, na contundência dos votos ainda perdedores na primeira decisão, que aceitou por maioria o julgamento do ministro, enquanto ministro, pela Câmara, de que se licenciara. Instituiu por aí, não mais que de repente, um parlamentarismo à brasileira. A questão volta ao Supremo já em função do grotesco subseqüente à cassação de Jefferson por ter mentido nas denúncias do mensalão, sem ter substanciado as suas acusações ao ex-chefe da Casa Civil. E este se exclui da Câmara não só pela fala de quem as próprias CPIs puniram, exemplarmente, o denunciar sem comprovar.


A nova decisão do Supremo repercutirá no cenário do ano entrante, enquanto põe em jogo, e pela primeira vez, o limite do alvedrio absoluto dos pares de um acusado no avaliar as evidências, mesmo que seja réu da elasticíssima infringência do dito decoro parlamentar.


Dirceu, cassado, resolve a contenda, deixando para lá o resto dos castigos. Mas estes sempre tiveram as suas regras de jogo e o mínimo a evidenciar. O alvedrio puro consagra de vez a ditadura da estrita conveniência política. O saldo, enfim, da crise está, agora, em devolver as cassações ao estado de direito no país.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 14/12/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 14/12/2005