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Crise da minoria

 

O mundo politico está tão virado de cabeça para baixo que há um recurso no Supremo Tribunal Federal pedindo a instalação da chamada CPI da Lava-Toga, barrada no Congresso. A dita CPI pretende justamente investigar ministros do próprio STF.

O sorteio eletrônico escolheu para relator o ministro Gilmar Mendes, que já revelou sua posição em entrevista recente: se for parar no STF, essa CPI não passa, por inconstitucional.

Uma crise na relação dos Poderes foi logo substituída por outra. A permissão do ministro Luis Roberto Barroso para que a Polícia Federal fizesse busca e apreensão nos gabinetes do senador Fernando Bezerra, líder do Governo, e de seu filho, deputado federal, provocou um início de crise institucional envolvendo os três poderes da República.

O Congresso queixa-se da invasão de seu território, o presidente Bolsonaro ficou em situação delicada, pois ao mesmo tempo em que não quer ser identificado como opositor da Lava-Jato, não pode jogar às feras seu líder, um dos principais sustentáculos da improvisada base partidária e, sobretudo, coordenador da tentativa de aprovar o nome de Eduardo Bolsonaro para embaixador em Washington.

Também o ministro Sérgio Moro entrou na roda, pois a Polícia Federal é subordinada ao ministério da Justiça e Segurança Pública, e a ação policial é vista como uma retaliação contra o Congresso, que trabalha para esvaziar a Lava-Jato e, sobretudo, o pacote anticrime de Moro.

Bolsonaro não quer ficar marcado como o presidente que persegue a Polícia Federal e a Lava Jato para ganhar o jogo político em favor de seu filho. O problema de Bolsonaro é que seu governo não tem uma base parlamentar organizada, como frisou várias vezes o presidente do Senado, David Alcolumbre durante o seminário “E Agora, Brasil” realizado em Brasília pelo Globo e pelo Valor Econômico.

Essa decisão de não formar uma maioria legislativa estável, explica o cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, faz parte do que ele chama de “estratégia minoritária” de Bolsonaro, que trabalha com maiorias ocasionais enquanto tenta formar uma base de aliados fiéis.

Aspecto distintivo dessa estratégia é “um modo de comunicação com a população que apela, quase que exclusivamente, a nichos específicos do eleitorado e, enfaticamente, exclui outros”. Para Octavio Amorim Neto, a estratégia almeja apenas ter votos suficientes para chegar ao segundo turno e “empalmar um novo mandato a partir de uma campanha radicalmente negativa contra seu adversário”.

A alta fragmentação do sistema partidário o beneficia, à medida que vários candidatos à presidência surgirão, dispersando os votos do centro. Os partidos de centro poderão formar amplas coligações eleitorais, ressalva Octavio Amorim, tendência que só deverá se consolidar após as eleições municipais de 2020.

O que corresponde justamente à estratégia abordada pelo presidente do Senado, David Alcolumbre, no seminário desta semana. Ele considera que os extremos, à esquerda e à direita, têm cada um 25% do eleitorado, e essa grande massa do centro definirá a eleição.

O professor Octávio Amorim Neto avalia que se o adversário for um candidato de esquerda radical, muito provavelmente Bolsonaro vencerá; se for de centro, o resultado dependerá da reação do eleitor centrista.  

A eleição nos Estados Unidos terá influência importante, segundo Octávio Amorim, especialmente se Trump não for reeleito. Sua derrota sinalizará que a onda de populismo de extrema direita terá perdido impulso. Por Bolsonaro ter se associado excessivamente a ele, a derrota de Trump será lida como do presidente brasileiro.

“O Brasil ficará isolado em Washington e na Europa, transformando Bolsonaro num oneroso passivo aos olhos de importantes setores das elites nacionais”. Inversamente, se Trump for reeleito, Bolsonaro ganhará fôlego eleitoral. 
  A tática tanto de Trump, quanto de Maduro na Venezuela, tem sido atacar eleitores centristas, como Bolsonaro vem fazendo aqui. A diferença significativa, adverte Octávio Amorim Neto, é que no Brasil, o voto é obrigatório, ao contrário dos Estados Unidos e da Venezuela.

 “A combinação de agressão permanente às sensibilidades do eleitor centrista com voto obrigatório não favorece a reeleição de Bolsonaro, pois é justamente este eleitor quem decidirá a eleição”.

O Globo, 21/09/2019