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A crise da falta de ânimo

 

A única certeza que se tem hoje é que a oposição de fato, a que causa dificuldades à governabilidade, está dentro do próprio governo ou na sua base de apoio

O que dizer de uma situação em que a aposta é para saber quem vai cair primeiro — se a presidente da República, o ministro da Fazenda ou o presidente da Câmara dos Deputados? A “cotação” varia. Na semana passada, Joaquim Levy aparecia com maior chance, pois seu processo de fritura chegara ao máximo. Juntando-se a Lula, que nunca fez segredo de querer substituí-lo por Henrique Meireles, o presidente do PT, Rui Falcão, manifestou-se publicamente com uma espécie de ultimato: ou Levy muda a política econômica ou sai, até que Dilma, em viagem à Suécia, garantiu que o ministro não sai, e que a opinião do partido não é a do palácio. Mas até quando sua palavra é garantia de permanência de alguém, se ela mesma não sabe se permanecerá? E Eduardo Cunha, o primeiro no “corredor da morte”? Seu poder foi grande, mas hoje tenta sobreviver a uma tsunami de denúncias e livrar-se da cassação. Como é um jogador esperto e agressivo, sabe usar de todas as armas para virar o jogo, principalmente as ameaças. Deve cair atirando. Acaba de dar uma mostra, ao revidar uma insinuação de Dilma. Disse que o “maior escândalo do mundo” não é ele, mas o governo dela.

A única certeza que se tem hoje é que a oposição de fato, a que causa dificuldades à governabilidade, está dentro do próprio governo ou na sua base de apoio. E, claro, nas ruas e nas rodas de conversa. Numa discussão, dizer que Dilma é honesta, uma qualidade reconhecida pelos adversários, já soa como um apoio inaceitável. Sou contra o impeachment, já disse, porque temo o que virá, mas talvez seja difícil reverter o quadro que aí está. “A economia reverte”, me dizem. Pelo que leio, porém, a situação econômica não está em condições de reverter nada. Além do mais, a política parece estar contaminando a economia, e não o contrário.

Um amigo publicitário, que conhece as motivações do mercado, acredita, com base em dados, que o desânimo por que passa o país se deve mais à falta de perspectiva política do que econômica, por mais grave que esta seja. Estávamos jantando num bom restaurante, nem muito barato nem muito caro, praticamente vazio. Eram 11 horas de um fim de semana e fiquei sabendo que isso está acontecendo com outras casas, obrigadas a fechar mais cedo por falta de clientes. Segundo o amigo, isso acontece nem sempre por falta de dinheiro, mas de ânimo: as pessoas não estão saindo mais à noite para comemorar ou simplesmente para se encontrar.

Sei que a tese é discutível, porque a queda do consumo ainda não teria chegado aos mais ricos, muitos dos quais não mudaram seus hábitos. Mas que há uma crise de falta de ânimo assolando o país, isso há.

O Globo, 21/10/2015