Evito comentar livros que estou lendo ou que acabei de ler. Mas é inevitável: acabo sempre falando de alguns, por admiração ou repúdio. "As Entrevistas de Nuremberg", de Leon Goldensohn, não me causou uma coisa ou outra. Médico psiquiatra, o autor entrevistou os 19 réus que chegaram ao tribunal e algumas testemunhas.
Suas anotações tinham, digamos, bases humanitárias. Ia ver se presos apresentavam sinais de doença, de maus-tratos, tomava notas de seus relatos sobre infância, vida conjugal, carreira profissional etc. Seus apontamentos não chegavam aos juízes que condenariam a maioria dos réus à forca.
Evidente que a vida pessoal dos criminosos foi lealmente inquirida e registrada, o que dá aos futuros historiadores um precioso pacote de revelações. Tal como diante do tribunal, todos diziam que nada sabiam dos campos de extermínio ou, quando sabiam, apenas cumpriam ordens.
Onde o autor forçou a mão foi na consideração de que o grande crime nazista teria sido a morte de milhões de judeus, em versões que chegam a 5 milhões e outras a 6 milhões de vítimas. O horror não foi apenas o número, mas os motivos raciais e as circunstâncias bestiais do massacre.
Contudo o autor dá a impressão de que os crimes de guerra e contra a humanidade praticados pelos nazistas tiveram apenas uma direção: exterminar os judeus. Se somarmos as vítimas de ambos os lados da guerra provocada por Hitler, os números seriam infinitamente mais aterradores. Bastaria citar o massacre de Lidice, a aldeia que teve seus habitantes assassinados independentemente da raça de cada um. O massacre foi feito em represália à morte do chefe nazista em Praga. E teve imperdoável represália quando os aliados arrasaram Dresden (120 mil civis mortos de uma só vez), já com a vitória decidida.
Uma guerra, qualquer guerra, é crime contra a humanidade, e não contra determinados homens.
Folha de São Paulo (São Paulo) 7/1/2006