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Cortar o mal pela raiz

 

É claro que, em matéria de racismo, pode-se alegar que estamos muito longe dos EUA, presidido por um desequilibrado que não consegue disfarçar sua simpatia por grupos de supremacistas brancos, neonazistas, ativistas da Klu Klux Klan e que, não por acaso, ajudaram a elegê-lo.

Entre as nossas graves mazelas não está, felizmente, essa hedionda moda dos atentados terroristas com carros atropelando multidões.

Só esta semana houve os episódios ocorridos em Charlottesville, na Virgínia, deixando dezenas de feridos e um morto, e os mais recentes em Barcelona, que até a hora em que escrevo tinham causado mais de cem feridos e pelo menos 13 mortes.

Mesmo sem correr esses riscos aqui, precisamos combater os focos isolados, como o ato de intolerância contra Mohamed Ali, refugiado sírio vendedor de esfiha em Copacabana.

Tudo bem que o vídeo dele nas redes sociais sendo agredido verbalmente e ameaçado por um homem com dois pedaços de madeira gerou uma impressionante onda de solidariedade não só dos moradores do bairro.

O movimento espontâneo de desagravo e apoio se estendeu, e o chamado “esfihaço” comoveu Ali e aumentou seu amor pelo país que o recebeu há três anos. Mas serviu também para expor a outra face, a dos militantes do ódio em nome da fé em Deus.

O sociólogo Florestan Fernandes dizia que o brasileiro tem preconceito de ter preconceito, a propósito de uma pesquisa revelando que 87% dos entrevistados afirmavam haver racismo, mas só 4% se confessavam racistas.

No entanto, o caso do sírio mostrou que existem também os sem vergonha do preconceito explícito, como o pastor Tupirani da Hora Lores, da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, que, em vez de apascentar ovelhas, vive de atiçar a fúria dos lobos.

Assim é que reuniu uns 20 destes, vestiu-os de preto, pôs em suas mãos cartazes xingando os muçulmanos de “assassinos, sequestradores, estupradores”, e os fez desfilar em Ipanema. Na frente, em letras grandes, a leitura que eles fazem do Alcorão: “guia de estupros e assassinatos”.

O pior é que o tal pastor é reincidente. Em 2012, foi condenado pelo crime de intolerância por disseminar ofensas contra os fieis de outras religiões, classificando-os de “seguidores do diabo”.Isso sem falar na homofobia, ao associar com intenção depreciativa os pais de santo a homossexuais.

Condenado pela Justiça a prestar serviços à comunidade e a pagar dez salários mínimos a uma entidade beneficente, ele não se emendou e ainda prometeu repetir atos como o de agora.

Pelo jeito, a punição que recebeu foi muito branda para evitar a propagação do vírus e insuficiente para ajudar a cortar o mal pela raiz.

O Globo, 19/08/2017