Tudo indica que o Estado brasileiro está dominado por esquemas de corrupção que se espraiaram muito além da Petrobras, baseados no distorcido conceito de "presidencialismo de coalizão", que passou a ser a desculpa esfarrapada para a distribuição de cargos em órgãos vitais da economia brasileira, como a Eletronuclear.
O sistema elétrico de maneira geral, outro nicho dominado pela presidente Dilma como "especialista" no assunto, deve ser o próximo setor analisado pelas investigações da Operação Lava-Jato, a partir de delações premiadas que ampliaram o escopo da atuação dos procuradores e da Polícia Federal. Numa metáfora dramática a que, infelizmente, já estamos habituados, o procurador Athayde Ribeiro Costa disse ontem que a corrupção é endêmica, e os indicativos são de que está espalhada por vários órgãos e em metástase.
Houve tempo em que afirmações como essa provocavam protestos patrióticos, como quando um relatório da embaixada dos Estados Unidos foi vazado afirmando justamente isso: que a corrupção é endêmica no país. Hoje, sabemos que é verdade e já não é possível revoltar-se com esse tipo de análise, pois, numa frase atribuída ao ministro Teori Zavascki, o relator no Supremo Tribunal Federal, "a cada pena que se puxa vem uma galinha". As investigações, que começaram por acaso num posto de gasolina em Curitiba usado pelo doleiro Alberto Youssef para lavagem de dinheiro em início de 2014, revelaram todo esse mundo paralelo que se alimentava da corrupção nos órgãos estatais.
O presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, foi indicado pelo então ministro das Minas e Energia Edison Lobão. Muita gente se perguntava por que um político brigava por indicar um diretor da Caixa Econômica, ou o presidente de uma estatal, já desconfiando que não era apenas o in ter esse pela boa performance estatal que estava por trás dessas brigas partidárias . Cada galinha dessas que aparece em investigações como essa da Eletronuclear mostra bem os interesses que estão em jogo.
O ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti já havia explicitado esses inter esses ao anunciar que queria nomear alguém de sua confiança para "aquela diretoria que fura poço", supondo que dali jorrariam recompensas por sua lealdade ao governo. Outro ponto de conta to entre as investigações da Lava-J ato na Petrobras e agora na área elétrica do governo é que os subornos continuavam a ser pagos mesmo com o processo investigativo em curso. José Dirceu não deixou de cobrar, e receber, sua mensalidade das empreiteiras, mesmo já estando na cadeia.
O presidente da Eletronuclear recebeu dinheiro em dezembro do ano passado, quando a operação Lava-J ato já estava atuando há quase um ano. A impressão de impunidade continua predominando, mesmo quando alguns dos principais responsáveis pelo mensalão foram para a prisão. O próprio Marcelo Odebrecht, ontem transformado em réu pelo juiz Sérgio Moro, não deixou de escrever comentários e lembretes que, agora, servem para incriminá-lo, e, pouco antes de ser preso, dizia que diretores de sua empresa que estivessem ameaçados de prisão ele mandava ir para a sua casa, como se lá fosse uma fortaleza inexpugnável às forças da lei.
É esse sistema de corrupção, entranhado no Estado brasileiro, que precisa ser desmontado, e já se vê que a prisão de figurões da política e do empresariado produziu um efeito imediato, as delações premiadas, instrumentos preciosos para a montagem do quadro. Mas o próprio Moro ressalta que são tantas as provas surgidas, especialmente devido aos convênios com autoridades financeiras de outros países, que fica inviável afirmar que apenas as delações sustentam as acusações. As propostas dos procuradores do Ministério Público, que serão apresentadas na forma de um projeto de lei de iniciativa popular, pode ser um passo adiante no combate à corrupção.
O Globo, 29/07/2015