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A cor do mundo mudar

 

Cine Theatro Avenida, em Espírito Santo do Pinhal, estava lotado no sábado, 29, final da Semana Literária Edgard Cavalheiro. Este, nascido na cidade, foi um dos fundadores da Câmara Brasileira do Livro, da União Brasileira de Escritores e um dos criadores do Prêmio Jabuti. Da cidade há outros consagrados como Cardeal Leme, que 'criou' o Cristo Redentor, os cantores Blecaute e Canhotinho e Moacyr Amâncio, poeta, professor de literatura, ensaísta.

A caminho do palco, uma senhorinha me entregou uma pequena cesta com uvaias e pitangas e duas mudas das plantas, 'para seu quintal, a fim de se lembrar de nossa cidade. ' Era Marion Beatriz Joseth. Ela se mostrava comovida, eu também. Enquanto me apresentavam, comi pitangas e uvaias, docíssimas.

Comecei, contando como meus professores, ao longo do tempo, me transformaram em escritor. Cada um dando dicas essenciais sobre o ato de escrever, jamais imaginando que aquele aluno esquisito seria o que é hoje. Nunca se sabe onde as palavras chegam e quem transformam. Eles ensinavam e iam me construindo.

De repente, começou um aguaceiro e faltando meia hora para o final, a energia caiu, tudo se apagou. Silêncio. Providenciaram uma luz de emergência que me iluminou. A plateia era uma mancha escura. O que fazer?

Perguntei: se falo sem microfone todos me ouvem? Disseram sim, incrível a acústica destas salas. Lembrei-me do poeta Thiago de Mello (com quem fiz tantas mesas por este Brasil), lembrando um poema dele, 'Faz escuro mas eucanto/porque amanhã vai chegar. /Vem ver comigo companheiro/ a cor do mundo mudar. ' Foi no sábado em que os conscientes viviam na angústia da eleição, tomados pela ansiedade, querendo ver a cor do mundo mudar.

No final, saímos, chuva leve, ruas desertas, silenciosas, aquilo foi me dando calma, pensei: fez escuro, mas falei. O poeta e organizador da Semana, João B. Rozon, sua mulher Denise, os filhos Thiago e Thais me levaram ao restaurante Estação Antonieta, onde me esperavam. Sabiam que estou de regime, me trouxeram tilápia grelhada, mandioca, berinjelas assadas e conversamos por horas. Junto estava Moacyr Amâncio, amigo de 50 anos, desde os tempos da revista Escrita, Wladyr Nader, Raduan, Trevisan, Joyce Cavalcanti. Minimizamos as tensões que no domingo duraram até o último minuto da apuração. Nunca esquecerei a sensação de falar, expondo a alma, sem ver ninguém, sentindo o ritmo das respirações, todos à espera da cor do mundo mudar. Aquele foi um desses momentos que nos acontecem raramente e guardamos para sempre. ?

Nunca esquecerei a sensação de falar, expondo a alma, sem ver ninguém, o ritmo das respirações.

O Estado de S. Paulo, 06/11/2022