Toda vez que estoura um escândalo, real ou não, os interessados se esforçam em desviar a atenção da sociedade, procurando saber quem e por que divulgou a tramóia, pondo o escândalo em plano secundário e até mesmo esquecido.
Sempre reclamei da estratégia dos envolvidos, procurando me limitar ao escândalo em si, tal como ocorreu com a compra de votos para o segundo mandato de FHC e outros casos antigos ou recentes.
Contudo, no escândalo que envolveu um ex-assessor do chefe da Casa Civil da Presidência da República, não deixa de ser estranho que os fatos tenham esperado quase dois anos para serem revelados.
Bandidos e mocinhos envolvidos na questão aguardaram pacientemente o momento oportuno para jogar tudo no ventilador. De duas uma: ou o ato da corrupção em si foi considerado menor, devido a quantias relativamente pequenas, que nem mereciam abertura de contas secretas nos paraísos fiscais, ou a corrupção, de tão assimilada, de tão freqüente e pedestre, não tinha dinamite suficiente para abalar o governo e o partido que está no poder.
Não se trata de encobrir o principal para perder tempo procurando os detalhes. Na Antigüidade, era comum os tiranos mandarem cortar a língua dos mensageiros que trouxessem más notícias, como péssimas colheitas ou batalhas perdidas. Esse tempo não passou de todo, mas, no caso em questão, é curioso e profilático saber como as coisas aconteceram.
Irrelevante conhecer os autores materiais da cena gravada em território da Infraero. Nem mesmo conhecer os seus mandantes. O tempo que se perderá nessa investigação ajudará a esquecer o núcleo do caso, que é a corrupção instalada no mecanismo do poder.
Mas o tempo em que a bomba ficou guardada nos porões da política nacional, essa, sim, é uma questão que precisa ser esclarecida para a total absolvição dos inocentes e a ampla condenação dos culpados.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) em 10/03/2004