O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao definir por maioria que o ex-jogador de futebol Robinho terá de cumprir no Brasil a pena de nove anos a que foi condenado na Itália por ter participado de um estupro coletivo, marcou um contraste positivo para a Justiça brasileira diante de outra decisão, da Justiça espanhola, que deu direito a outro ex-jogador brasileiro, Daniel Alves, de recorrer em liberdade da condenação, também por estupro, porque aceitou pagar uma fiança de € 1 milhão.
A Justiça espanhola passou a percepção de que os ricos que podem pagar uma fiança tão alta têm vantagens sobre os cidadãos comuns, ainda mais depois que outros € 150 mil já pagos ajudaram a reduzir sua pena. Robinho tentou usar a carta do racismo a seu favor, mas, ao contrário, quem teria sido beneficiado por um privilégio odioso seria ele próprio se a Justiça brasileira, na tentação de proteger um ídolo caído, tivesse aceitado a tese de que a vítima era ele.
Tanto Robinho quanto Daniel Alves são ídolos do futebol brasileiro que se perderam na vida pessoal em meio à sensação de impunidade que a fama e o dinheiro lhes deram. Ambos mentiram em seus julgamentos. Alves deu cinco versões diferentes, e Robinho foi apanhado por um grampo telefônico da polícia italiana debochando da vítima, afirmando que ela estava tão bêbada que nem sabia quem ele era.
A definição da postura da maioria do STJ está na frase do ministro Mauro Campbell, que, aliás, já se tornou comum na boca de autoridades brasileiras:
— O Brasil não pode ser refúgio de criminosos.
A maioria formada para validar a sentença da Itália que condenou Robinho a nove anos de prisão pelo crime de estupro coletivo teve por base o voto do relator Francisco Falcão, que decidiu pelo cumprimento imediato da pena em regime fechado.
Provavelmente haverá recurso até o Supremo Tribunal Federal (STF), pois os ministros Raul Araújo e Benedito Gonçalves votaram contra o cumprimento da pena no Brasil. Araújo também rejeitou a tese, vencedora, de que o STJ declarasse o trânsito em julgado e definisse o imediato cumprimento da pena. Para ele, só a Justiça Federal de primeira instância poderia definir as condições do cumprimento da pena.
Provavelmente a reação negativa da opinião pública brasileira diante da decisão na Espanha de permitir a liberdade de Alves influenciou a decisão dos ministros do STJ. Antes, havia forte tendência para que fosse pedida vista do processo, adiando o julgamento. Houve também a tentativa de postergar uma decisão imediata por parte de alguns juízes, alegando que poderia haver recursos à decisão.
Diante dessa possibilidade, alguns ministros mudaram seus votos aderindo integralmente ao do relator, que considerou que o trânsito em julgado já estava dado pela decisão da maioria. Os avanços da legislação brasileira em relação à proteção das mulheres, embora relevantes, não impediram até agora que mantenhamos o triste recorde de feminicídios. Mas a legítima defesa da honra, que até 2021 era aceita como justificativa para o assassinato de mulheres, tornou-se crime hediondo.
A coincidência entre os julgamentos dos dois ídolos do futebol brasileiro, Alves e Robinho, e o envolvimento de outro ídolo, Neymar, no pagamento da fiança de seu amigo Alves são um triste sinal dos tempos, mas também uma demonstração de que mudou a percepção da sociedade diante de crimes que, anteriormente, aconteciam sem que fossem punidos.