Corrupção na política vira jogo. Empresário lança "Escândalo!", que traz parlamentares como personagens. É um jogo recheado de fraudes e chantagens. Brasil, 15.09.2005
Um novo jogo está sendo lançado no país e, ao que tudo indica, logo terá muitos aficcionados. Não é fácil de disputar, mas está na ordem do dia. Aqui vão algumas dicas para aqueles que estão interessados. Veja como vencer o jogo da corrupção:
1. Posicione-se adequadamente na estrutura política. Para dirigir o tráfico de influências, é imprescindível estar por cima. Quanto maior a altura, maior o tombo? Talvez. Mas também quanto maior a altura, maiores as oportunidades.
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2. Descoberto, negue. Negue com veemência, com convicção, com indignação, se possível. Fale em armação, fale em provas forjadas, fale até em conspiração. Descreva-se como vítima, como perseguido, como mártir.
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3. Aperfeiçoe sua cara-de-pau. Você deve ter completo e absoluto domínio sobre seus músculos faciais. É preciso, por exemplo, olhar fixamente para a câmera de TV. Não pisque. Qualquer bater de pálpebras pode ser uma evidência contra você.
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4. Crie suspense. Anuncie que você tem um documento secreto, sensacional -mas que só vai exibi-lo no momento adequado. Enquanto todos ficam aguardando o momento adequado, você aproveita o tempo para ganhar fôlego e pensar em algum outro truque.
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5. Não confie em ninguém. A corrupção não gera amigos, gera sócios -e é uma sociedade transitória, pronta para ser desmanchada quando as tramóias vêm à luz.
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6. Se nada mais der certo, parta para a solução extrema: defenda a corrupção. Isto mesmo: defenda a corrupção. Você dirá que para tanto é preciso uma boa dose de cinismo, mas às vezes o cinismo é a única alternativa que resta a quem está contra a parede. Sustente que a corrupção não passa da continuação dos negócios por outros meios, que é o único recurso contra a pesada burocracia estatal, que tantos problemas tem causado à economia. Descreva a corrupção como uma espécie de lubrificante social, criado exatamente para facilitar as coisas àqueles que têm o senso de oportunidade. Retorne ao argumento do "rouba mas faz", evocando políticos que enriqueceram ilicitamente mas que não deixavam de ser grandes empreendedores. Descreva a propina e a comissão como retribuição informal de serviços prestados, muitas vezes por pessoas cujos salários não estão à altura de seu talento e de sua esperteza. Pondere que no orçamento de uma obra que custa, digamos, R$ 100 milhões, 1 milhão a mais ou a menos não fará muita diferença; o importante é que a obra seja realizada (e inaugurada). Enfim, tenha convicção. E confie no inesperado. É um elemento sempre presente no jogo da corrupção.
Folha de São Paulo (São Paulo) 19/09/2005