Só pode ser ironia da história a coincidência que levou à mesma prisão, num intervalo de 24 horas, dois ex-governadores, um acusado de comprar votos e o outro de se vender a empreiteiras. Dois de uma vez só? As pessoas custaram a acreditar. No calçadão de Ipanema, ouvi o seguinte diálogo: “Você tá fazendo confusão, o preso foi o Garotinho, não o Cabral”, explicava o ambulante para o freguês. Tive que intervir para encerrar a discussão: “Foram os dois, um ontem e o outro hoje”. Mesmo assim, precisei garantir que acabara de ver a notícia na televisão.
Para o próprio Garotinho, deve ter sido uma surpresa, e é possível até que o susto tenha elevado sua pressão arterial. Afinal, já se passaram dez anos da decisão que o tornou inelegível e seis da condenação que acabou convertida em serviços comunitários. Parecia que a Justiça se esquecera dele definitivamente. Já Cabral devia estar esperando, pelo menos desde que apareceram delações premiadas acusando-o de cobrar propina das empresas que realizaram várias obras no estado, inclusive as do Maracanã para a Copa do Mundo. O difícil era imaginar a dimensão de suas tenebrosas transações, mesmo em se tratando de um exibicionista que gostava de posar para fotos de sua ostentação. Sabia-se da casa luxuosa, de lancha, helicóptero, viagens de rico ao estrangeiro, joias e vestidos caros para a mulher. Mas não de um rombo nos cofres públicos de R$ 224 milhões, suficientes para pagar salários e cobrir vários programas sociais que o pacote de ajuste quer cortar, como os 16 restaurantes populares, que poderiam ser mantidos por mais três anos.
Se o juiz Sérgio Moro, acostumado com histórias de corrupção, indignou-se com o que classificou de “afronta” do denunciado, entende-se a revolta de uma população — é ele ainda quem diz — “a que se impõem tamanhos sacrifícios, com aumento de tributos, corte de salários e de investimentos públicos e sociais. Uma versão criminosa de governantes ricos e governados pobres”. Como se sentirá um professor que ganha pouco mais de R$ 2 mil por mês ao descobrir que o governador recebia mesada de até R$ 500 mil?
Nesse clima de insatisfação diante das ameaças de arrocho e penúria, não se sabe o que pode acontecer se não houver punição exemplar. Haverá o risco de aquele coro meio tímido de “lincha, lincha”, de manifestantes contra Cabral, engrossar e se transformar em massa de furiosos que não se contentem apenas com a execração pública dos acusados: condução à força, cabeça raspada, cardápio de gente comum. E que, inconformados, passem para o quebra-quebra e as invasões. Sinais recentes dessa opção não faltam.