A dúvida sobre o combate à corrupção no Brasil volta a dominar a análise internacional, especialmente depois que a OCDE (Organização para a Cooperação e desenvolvimento Econômico ) divulgou um relatório em que chama a atenção para retrocessos que estariam ocorrendo com a desativação das forças-tarefas como a Operação Lava Jato e medidas tomadas pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao mesmo tempo, o jornal inglês Financial Times publicou ontem um longo artigo de seu correspondente no Brasil, Bryan Harris, afirmando que ações consecutivas do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram que há “pouco apetite, ou nenhum” para investigações sobre corrupção envolvendo a classe política.
Cita a decisão do ministro Gilmar Mendes de arquivar uma investigação da Polícia Federal envolvendo aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira, e também a do ministro Dias Toffoli de anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht na Operação Lava-Jato, que o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos considerou “o maior caso de corrupção internacional da história”.
O destaque para a constatação do relatório da OCDE de que o então juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba tiveram uma atuação politicamente tendenciosa definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não resume o documento, que se desdobra em análises e informações sobre o retrocesso que aconteceu no país depois que as punições da Lava Jato foram sendo anuladas.
O relatório critica a anulação de condenações pela prescrição das penas, ressaltando que ninguém foi condenado até o momento de forma definitiva, e que a legislação sobre prescrição precisa ser revista. Dos 60 casos de corrupção investigados, ressalta o relatório, apenas 28 tiveram conclusão. O relatório chama também a atenção para diversas decisões recentemente tomadas pelo Congresso e pelo STF que colocam em risco os investigadores, citando especificamente a Lei de Abuso de Poder.
Embora possa ser considerada um avanço, essa lei tem tido o efeito de atemorizar os investigadores, de acordo com diversas fontes ouvidas em Brasília e em São Paulo pelos funcionários da OCDE. Sem dar nomes, ressaltam a preocupação de que as punições disciplinares sejam usadas como retaliação aos investigadores, numa referência às sanções dadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e Conselho Nacional do Ministério Público aos procuradores de Curitiba.
Mencionam o receio de que a lei se transforme em instrumento de intimidação de juízes e investigadores que atuam contra a corrupção. Mesmo reconhecendo os esforços brasileiros, os membros da OCDE que estiveram no Brasil demonstram preocupação com o fato de que o país não atingiu ainda um patamar sustentável de combate à corrupção equivalente a seu perfil econômico, e com o tamanho do papel que grandes empresas brasileiras tiveram em alguns dos maiores escândalos da ultima década.
Nesse ponto, é bom destacar que o relatório cita a decisão do ministro do Supremo Dias Toffoli de anular as provas no acordo de leniência da Odebrecht, e sugere que as consequências dessa decisão podem enfraquecer a segurança jurídica de outros acordos e dificultar a colaboração internacional no combate à corrupção. O relatório chama a atenção, aliás, para o fato de que o ex-juiz Moro foi acusado de manter relações informais com outros países, sem autorização oficial.
Os funcionários da OCDE ressaltam que essa colaboração informal é uma maneira efetiva de avançar nas investigações sem que a burocracia as atrase. Segundo o relatório, essa é uma "boa prática crucial e internacionalmente aceita para navegar com sucesso nos requisitos formais de cooperação legal mútua”.
O relatório da OCDE, comemorado pelo governo petista e seus satélites da esquerda como a confirmação oficial da má conduta do então juiz Sérgio Moro é muito mais que isso. É uma advertência ao cerceamento do combate à corrupção por parte do establishment político-jurídico nacional. Uma barreira a uma eventual entrada, que o Brasil deseja, na organização dos países com as melhores práticas de boa governança.