Neste início de semana, tivemos duas notícias, uma animadora — o corajoso relatório contra Temer na Câmara — e outra, péssima: a de que o país pode voltar ao mapa da fome da ONU, 24 anos depois da maior campanha de mobilização popular em torno de uma causa, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. Como consolo, o governo alega que o combate à recessão vai reduzir a pobreza e a insegurança alimentar. Tudo bem, mas e enquanto isso? Na época, o sociólogo Betinho, que lançou o movimento, junto com o bispo Dom Mauro Morelli, criou uma frase famosa: “Quem tem fome tem pressa”. Não adianta pedir a uma pessoa de barriga vazia que espere o fim das desigualdades sociais. A fome pode matá-la antes. O relatório para o Conselho Econômico e Social da ONU informando sobre a ameaça foi elaborado por 40 entidades da sociedade civil, uma das quais é justamente o Ibase, fundado por Betinho logo após seu retorno do exílio. O quadro é desalentador. É um país com 14 milhões de desempregados, enfrentando a recessão e uma crise fiscal que tem obrigado a cortes em programas de proteção social como o Bolsa Família.
A repórter Daiane Costa visitou esse cenário em que as pessoas se alimentam precariamente, como a cozinheira desempregada que está comendo angu doado por uma vizinha a semana toda, ou outra senhora, também sem emprego, que teve de deixar de comer para o filho não ficar sem comida. Ou a jovem mãe de três adolescentes que confessa: “É pão de manhã, pão ao meio-dia e pão à noite”. Como se explica que há três anos o Brasil tenha deixado de figurar no mapa da fome e agora ameaça voltar?
Daniel de Souza, filho e herdeiro do legado de Betinho, acha que a função de toda ONG é se extinguir, ou seja, realizar tão bem os seus propósitos que suas ações e atividades não sejam mais necessárias. Isso aconteceu com a Ação da Cidadania, que, depois de colocar o combate à miséria como programa e política públicos dos governos de FHC e Lula, decidiu diversificar seus objetivos e “reinventar seus rumos”, desenvolvendo outras ações como trabalhos socioeducativos de crianças e jovens.
O problema é que, não satisfeito, o governo acaba de ampliar o arrocho, estendendo o aumento dos cortes de orçamento a todas as áreas. Só na Saúde, por exemplo, a redução é de mais de R$ 7 bilhões. Assim, “o país do futuro” corre o risco de vir a ser, Deus nos livre, um país de milhões de desempregados com fome e sem assistência médica.