Neste domingo, às 18 horas, graças ao dinâmico Santander Cultural e à fantástica Aliança Francesa, terei uma missão gloriosa: participarei de um debate com o grande cineasta israelense Amos Gitai e seu produtor, Laurent Truchot. Gitai veio de um festival sobre sua obra, realizado no Rio, e aqui encerrará a Mostra Especial que reúne vários e importantes filmes, marcos de uma carreira marcada pelo talento e pela coragem.
Nascido em 1950, em Haifa, Gitai estudou arquitetura, e, como soldado, lutou na guerra do Yom Kipur, em 1973. O helicóptero em que estava foi abatido por um míssil sírio, uma experiência para ele transcendente. Foi nessa guerra que começou a filmar, usando uma precária câmera. Não admira que um dos filmes da mostra seja Kipur, que fala daquele conflito, uma história em que o componente autobiográfico é mais que evidente.
Esquerdista e pacifista, Gitai é um cineasta altamente controverso (dizem, inclusive, que ele é muito “europeu” para Israel, e de fato filma bastante com apoio francês), mas absolutamente fiel a seus princípios. Mostra-o o filme Kadosh (Sagrado, em hebraico), de 1998, e já exibido em Porto Alegre.
Ambientado em Mea Shearim, o bairro ultraortodoxo de Jerusalém, conta a história de um casal, Meir e Rivka, que não tem filhos e por isso tem, de acordo com o preceito religioso, de enfrentar a separação. Já Malka, irmã de Rivka, será obrigada a casar com um homem a quem não ama, de novo por determinação religiosa.
Agora vejam a coincidência: recentemente, estreou nos cinemas de todo o mundo um filme longamente aguardado: Wall Street, o Dinheiro Nunca Dorme, de Oliver Stone, continuação de Wall Street. De novo temos o grande Michael Douglas no papel do especulador Gordon Gekko, que está saindo da cadeia a tempo de pegar a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos.
A coincidência está no perfil dos dois diretores, que são até fisicamente parecidos e têm muita coisa em comum: a idade (Gitai tem 60 anos, Stone, 64), a ascendência – Stone é filho de pai judeu embora ele próprio seja (ou diz-se ser) budista. Como Gitai, Stone foi soldado: lutou no Vietnã e chegou a ser condecorado por bravura. Finalmente, e o que é mais importante, os dois são contestadores.
Stone é um esquerdista conhecido, ainda que sui-generis. Tem boas relações com Fidel Castro e com Hugo Chávez e, embora condene certas ações das Farc, diz entender as razões do grupo guerrilheiro que até vê como “heroico”.
Mas o que une mesmo Gitai e Stone (até o número de letras no sobrenome é igual) é a contestação. E contestação é algo de que o mundo sempre precisa. Pode haver nela exagero, pode haver conotações emocionais; não importa.
O importante é que essas pessoas, escritores, intelectuais, músicos, cineastas, levantam questões inquietantes e assim nos obrigam a pensar, a reconsiderar coisas que tomamos como verdades absolutas.
Não se trata de acreditar no que diz ou mostra o contestador, não se trata de fazer de suas obras artigos de fé, mesmo porque, como vimos, não é isso que ele quer. Trata-se de evitar o conformismo, o espírito de rebanho que na política ou na religião ou na cultura acaba levando à atrofia do pensamento. Gitai e Stone são necessários. E muito bem-vindos.
Zero Hora (RS), 3/10/2010