Nos quiproquós da ação internacional na Síria, cada vez mais se define uma consciência internacional contra as globalizações hegemônicas e seus ditos “tratamentos cirúrgicos” das violências coletivas. Não se trata apenas de atentar à distância, de vez, nos Estados Unidos, entre as guerras de Bush e os freios que enfrenta, agora, Obama, diante do governo de Assad. E o que se depara é, de fato, uma consciência geral do Primeiro Mundo, após os vetos russo e chinês, mais a rejeição democraticíssima que o Parlamento britânico impôs ao primeiro- ministro Cameron.
A América, neste momento, deixa de contar com a ação irrestrita do Pentágono, teoricamente possível, mas o presidente quer, pela primeira vez na história do país, se ver respaldado, de fato, por um consenso legislativo. Repercute nessa hesitação o legado do intervencionismo sumário com que Obama apoiou, surpreendentemente, o golpe militar, e a derrubada de Mursi, no Egito. Tal como o apoio aos oposicionistas de Kadafi, na Líbia, levara a uma fissura nacional, que continua e não permite a estabilização, afinal, de um novo governo.
O que o insucesso da Primavera Árabe acarreta, e o fracasso liberal da democracia em toda a região, é de se saber que nível de entende se pode ainda estabelecer ou em que termos a antiga potência hegemônica encara a sua convivência com as nações de regresso ao autoritarismo. Até onde poderá Washington ir além da Realpolitik e garantir condições de estabilidade para o futuro próximo, diante da generalização do terrorismo e das faces múltiplas que assumem as iniciativas de Al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden.
E a ideia de uma convivência internacional não hegemônica sofre, agora, o impacto da revelação do quanto o culto das liberdades essenciais da democracia se destrói pelas décadas de um Estado controlador universal que espiona não Estados, mas cidadãos, e assume um grau potencial de controle todo o contrário dos antípodas da América jeffersoniana.
Significativa, nos embates inesperados de Obama, é a mobilização crescente da opinião pública do país, que sai da sua letargia e do embalo da segurança da nação-líder e seu poder generalizado de intervenção. Os republicanos, inclusive, já se somam, em bom número, às ditas frações de esquerda democratas, nesta visão de uma coexistência internacional fora da antiga dessolidarização de Washington, frente às Nações Unidas. E o inédito, nessa consulta de Obama ao Congresso, é ver como, não obstante o presumido apoio das bancadas, os plenários começam a se rebelar. Com o risco de o governo obter o mesmo resultado inesperado do legislativo do Reino Unido.
Jornal do Commercio (RJ), 13/9/2013